Judicialização na saúde: a visão dos médicos

19/11/2020

“O principal agente das demandas judiciais é a ausência de afeto na relação médico-paciente”. Esta foi a citação que destacou o discurso do acadêmico José Jesus Camargo, que abriu o simpósio da Academia Nacional de Medicina, realizado na última quinta-feira (19), que abordou a judicialização em medicina – tema de grande relevância, visto que dados do Conselho Nacional de Justiça apontam aumento de 1.600% no número de processos judiciais por supostos erros médicos no país em um intervalo de 10 anos.

Para discursar sobre a especialidade de ginecologia e obstetrícia, o acadêmico Jorge Rezende Filho, da UFRJ, dividiu o assunto em três grandes eixos: obstetrícia médico-legal forense, erro médico e defesa profissional. O especialista pontuou aspectos legais de questões controversas como reprodução assistida e aborto e encerrou sua apresentação com 12 cuidados que poderiam evitar processos éticos-legais, dentre os quais se destacam a boa relação com o paciente, a postura ética e a transparência.

O cirurgião plástico e acadêmico José Horácio Aboudib, da UERJ, adentrou a discussão legal na cirurgia plástica, enfatizando que a especialidade em questão é a única em que o médico deve provar que não errou, e não o contrário. Um outro ponto de relevância em sua apresentação foi a problematização dos ditos “vendedores de resultados” – profissionais que utilizam de conduta antiética e desrespeitam os regulamentos do Conselho Federal de Medicina, prejudicando a percepção popular sobre a cirurgia plástica. Por fim, Aboudib afirma que o atendimento humanizado e a atenção ao paciente são tão ou mais importantes do que a eficiência técnica.

Sobre a judicialização em ortopedia, o médico Tarcísio Barros Filho, da USP, alerta para a tendência da “superespecialização” na especialidade – em outras palavras, se utilizar de títulos de especialista em mão, ombro e coluna, por exemplo –, que pode prejudicar a credibilidade do profissional e gerar conflitos. Barros Filho também aponta que as principais queixas com relação a conduta médica na área são mau posicionamento de materiais de implante e de fixação, e afirma que é importante tratar o paciente como gostaria de ser tratado.

A presença do acad6emico Raul Cutait, da USP e do Hospital Sírio-Libanês, levantou tópicos de relevância na judicialização da cirurgia. Em especial, Cutait relata que alguns procedimentos necessitam de grande competência técnica, estrutura hospitalar e profissionais especializados, mas que, muitas vezes, limitações fazem com que cirurgiões que não se sentem totalmente aptos se submetam à realização, podendo gerar conflitos. O especialista afirma que alinhar expectativas e ser transparente é a base de toda a resolução.

Já o cirurgião geral e oncológico Alfredo Guarischi, da UFRJ, abordou a judicialização na oncologia, destacando as principais causas: a frequência e a complexidade da doença, além da natureza experimental de alguns tratamentos, que podem ser paliativos ou curativos.

O acadêmico Antonio Egídio Nardi, da UFRJ, endossou a relação médico-paciente como fundamental para evitar questões de judicialização na psiquiatria. Outros pontos levantados foram a facilidade do acesso a tratamentos farmacológicos caros pelo SUS como uma alternativa bem-sucedida e a deficiência na assistência psiquiátrica pública como causa da judicialização em internação compulsória.

O acadêmico Silvano Raia foi outro convidado e enfatizou quejudicialização da saúde deve respeitar os princípios éticos e legais”. O acadêmico destacou dois conceitos: a ética do dever e a da responsabilidade. A primeira é para cumprir nosso dever como membros de uma sociedade; o outro conceito, da responsabilidade, é mutável e visa obter o bem.

“O número de ações judiciais vem aumentado progressivamente no Brasil em decorrência da falta de recursos e de acesso aos serviços de saúde, mas a lei da medicina tem que zelar pela saúde do ser humano”, enfatizou o acadêmico.

Mas por que o paciente judicializa? A médica Maíra Dantas, do Conselho Regional de Medicina da Bahia, tentou responder a essa questão. Segundo ela,isso ocorre para que o paciente tenha acesso aos serviços de saúde que a constituição garante, mas não provém. “A medicina não pode se submeter ao Código de Defesa do Consumidor, pois a medicina não pode ser mercantilista, porém, infelizmente, as filas do judiciário estão mais céleres do que as filas da saúde”.

 “A legislação foi um ganho social inquestionável e inexorável. Mas, prometemos algo que não conseguimos cumprir. A prática conflita com as dificuldades do nosso sistema de saúde. Há uma enorme desproporção entre as demandas da população e a oferta desses serviços. Além disso, nos últimos anos perdemos muitos leitos na esfera pública, privada, filantrópica e suplementar”. Dantas finalizou sua apresentação citando Carl Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”

Para ter acesso à sessão completa, veja o vídeo em nosso canal no YouTube https://bit.ly/33cVl55 ou aqui no nosso site.

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