Simpósio sobre a História da Medicina

16/06/2016

No dia 16 de junho de 2016, a Academia Nacional de Medicina sediou um simpósio de discussões sobre a História da Medicina organizado pelos Acadêmicos Orlando Marques Vieira, ex-presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e Carlos Antonio Gottschall, médico do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / Fundação Universitária de Cardiologia. 

Acad. Carlos Antonio Gottschall

O Dr. Carlos Gottschall salientou que olhar para a história não é apenas um movimento enriquecedor, como primordial para se compreender a profundidade e a veracidade dos acontecimentos; a linearidade das teorias, bem como qualquer prospecção futura, dependem essencialmente do passado. Para ele, o método histórico é tão importante quanto o método científico no estabelecimento do conhecimento.

O Acadêmico discorreu sobre o que ele considera a maior descoberta médica do milênio. Em 1628, o médico William Harvey constatou que o sangue circula continuamente pelo organismo, impulsionado pela contração do ventrículo esquerdo através da aorta e pela contração do ventrículo direito através da artéria pulmonar, retornando respectivamente pelas veias pulmonares e pelas veias cavas, e enchendo novamente os ventrículos por efeito da contração dos átrios correspondentes.

Hoje certamente este constitui um conhecimento básico de qualquer curso de Medicina, contudo, naquele momento em que a Ciência ainda não admitia grandes complexidades teóricas, a descoberta deste fato foi extremamente notável e deve ser referenciada para a realização de qualquer pesquisa médica.

Na época em que o Dr. Harvey teve esta constatação, o imperativo teórico era a Filosofia natural, Aristotélica. Ou seja, acreditava-se ainda que a matéria era contínua; tudo era composto por apenas quatro elementos; a Terra era considerada esférica e imóvel; localizada no centro do Universo; considerava-se transmutação da matéria e geração espontânea de seres; dentre outras premissas que nos colocam muito distantes conceitualmente.

Dando continuidade ao argumento de que a História da Medicina deve ser referenciada – e reverenciada – para se conquistar novas técnicas e conceitos, o Dr. Marques Vieira iniciou sua apresentação discorrendo sobre a importância da contribuição médica de brasileiros internacionalmente para a evolução de cirurgias de aneurismas da aorta.

Para introduzir o tema, destacou os feitos do Dr. Cândido Borges de Monteiro, o Visconde de Itaúna, considerado por ele um dos mais notáveis homens do seu tempo. O Dr. Borges de Monteiro foi o primeiro cirurgião a realizar no Brasil a ligadura da artéria aorta abdominal, e, inclusive, apresentou uma Memória sobre o tema ao ser eleito o 35º Membro Titular da Academia Nacional de Medicina em 1845.

Junto às suas contribuições para a evolução dos estudos de cirurgia, o Visconde de Itaúna também possui uma notável vida parlamentar e política, pois ocupou altos cargos vereador, deputado, senador, ministro e governador.

Acad. Orlando Marques Vieira

O Dr. Marques Vieira destacou que algumas publicações do Dr. Borges de Monteiro são, até hoje, referência para os estudos por suas publicações sobre a amputação circular pela continuidade da coxa, pois as descobertas teóricas e práticas conquistadas por ele foram feitas em uma época com pouquíssimos recursos, de maneira que o Visconde realizava cirurgias em sua própria residência, no Centro do Rio de Janeiro.

Em seguida, para enriquecer esta análise histórica, o Acadêmico Henrique Murad apresentou algumas informações sobre as doenças da aorta: aneurismas, dissecções aórticas, hematomas intramurais, úlceras penetrantes, destacando que a mais grave delas e a que gera mais preocupação é a ocorrência da ruptura aórtica.

Dentre algumas pessoas famosas que morreram em função de uma ruptura da aorta, segundo o Acad. Murad, estão o rei Jorge II da Grã Bretanha, o cientista Albert Einstein, o ator George Campbell Scott e a atriz Lucille Ball.

O Acadêmico citou o filósofo George Santayana, que disse que “Aqueles que não rememoram o passado, estão condenados a repeti-lo”. Portanto, se um médico/cientista pretende contribuir para a Medicina de forma potencial, é preciso saber o que já foi feito e estudar os pontos de partida de cada caminho teórico possível.

A história já registra muitos avanços em tratamentos de aneurisma. Inicialmente, a metodologia de tratamento mais marcante foi a realização de ligaduras, e em relação a esta técnica, o Acad. Murad destacou as contribuições do Dr. Hunter em 1785, do Dr. Astley Cooper em 1817, do Dr. James em 1829, do Dr. Candido Borges Monteiro em 1845 e do Dr. Rudolph Matas em 1923.

Após muitos estudos, passou-se a buscar realizar a trombose do saco aneurismático por meio de aramização, injeção de esclerosantes, endoaneurismorrafia, eletrocoagulação ou o uso de molas, porém estas técnicas se mostraram problemáticas.

Adiante, tentou-se também envolver o aneurisma com celofane, polietileno ou até pele, mas os resultados ainda não foram bons o suficiente. Albert Einstein foi um dos pacientes que teve seu aneurisma envolvido por um celofane, isso consistiu em uma medida temporária até que ocorresse a ruptura total da aorta e ele falecesse.

Acad. Henrique Murad

O Acad. Murad também destacou a contribuição do Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboya, que foi Médico da Câmara Imperial e o primeiro a levantar a ideia da utilização de molas para tratar o aneurisma, em 1885.

O Dr. Visconde de Saboya foi responsável por tornar o ensino de Medicina no Brasil próximo aos moldes franceses, o que era importantíssimo em uma época em que a França era o país com mais pesquisas médicas em andamento. Ele foi, inclusive, Presidente da Academia Nacional de Medicina em 1891 e 1892.

Após discorrer sobre a importância do Dr. Saboya, o Acad. Murad destacou também que os principais cirurgiões que transformaram a história dos tratamentos de aneurismas foram, cronologicamente, o Dr. Alexis Carrel, o Dr. Rudolph Matas, o Dr. Denton Cooley, o Dr. Stanley Crawford, o Dr. Charles Dubost e o Dr. Michael DeBakey.

No Brasil, o Acad. Murad destaca a atuação dos médicos Luiz Edgard Puech Leão, Mario Degni e Alipio Correia Neto, além dos Acadêmicos Arno von Buettner Ristow, Antonio Luiz de Medina, que também foi Presidente da ANM, bem como Helênio Chaves Coutinho. Após muitos avanços técnicos e conceituais, a cirurgia transformou-se em um procedimento de abertura do aneurisma, escapeamento e substituição dele por um enxerto. Quando já se encontrava ótimos resultados dos enxertos, surgiram as endopróteses, que são hoje a melhor solução para uma cirurgia de aneurismas.

Utilizando-as, ocorre a exclusão do saco aneurismático do regime de alta pressão, trombose do saco aneurismático com redução do risco de rotura e a redução gradativa do saco aneurismático trombosado.

De maneira geral, as discussões versaram sobre como o estágio da arte cirúrgica atual e os desprendimentos futuros que já batem à porta dependem essencialmente das descobertas e das investigações realizadas gradualmente ao longo do tempo. A História nos dá alicerces e recursos para partirmos de análises metodológicas sofisticadas e fundamentadas e, sendo assim, torna-se importantíssimo que a produção de técnicas e conhecimentos do presente acompanhe as incontáveis referências que o passado nos proporcionou.

Para melhorar sua experiência de navegação, utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes. Ao continuar, você concorda com a nossa política de privacidade.