Academia Nacional de Medicina realiza Simpósio sobre acidentes envolvendo picadas e mordeduras de animais

18/07/2019

Se colocando na vanguarda das principais discussões médicas da atualidade, a Academia Nacional de Medicina, instituição científico-cultural mais antiga do Brasil, realizou, na última quinta-feira (18) o Simpósio “Animais que Picam, Lambem, Arranham e Mordem e os Acidentes por eles Causados”.

O problema abordado pelo Simpósio é crucial: nos últimos anos foi observado um aumento considerável no número de acidentes causados por ofídios e escorpiões. O organizador do Simpósio, Acadêmico Celso Ferreira Ramos Filho, ressaltou que estes são eventos negligenciados e constituem um problema mundial, uma vez que os maiores fabricantes de imunizantes passivos estão encerrando suas operações.

Acadêmicos Ricardo Cruz, José Galvão-Alves, Antonio Egidio Nardi e Celso Ferreira Ramos Filho na mesa diretora do Simpósio

Abrindo os trabalhos do Simpósio, o Dr. Cláudio Machado (Instituto Vital Brazil) apresentou a “Situação do Ofidismo no Brasil e no Mundo”, afirmando que acidentes por animais peçonhentos afetam principalmente camadas mais pobres da população que residem em áreas rurais e com acesso limitado a educação e a serviços de saúde. Discorreu também sobre a discrepância entre os números dos acidentes por ofidismo no mundo, ressaltando que, em países como os Estados Unidos e a Austrália, são registrados de 0 a 5 óbitos por ano. Em contrapartida, na América Latina são registrados 2.200 óbitos anuais contra assustadores 30.000 na África Subsaariana e 46.000 na Índia.

Na conclusão de sua apresentação, destacou que os acidentes por animais peçonhentos provocam consequências clínicas tanto físicas quanto psicológicas para as populações. Abordou, ainda, as consequências socioeconômicas para os países, incluindo os gastos decorrentes do número de hospitalizações e o tempo de hospitalização, número de mortes e aposentadorias precoces devido à invalidez.

Abordando “Acidentes por Abelhas: Resultados Finais do Primeiro Tratamento Específico em Sereis Humanos para um Agravo Negligenciado no Brasil), o Dr. Alexandre Naime Barbosa (Universidade Estadual Paulista – Botucatu) apresentou um histórico da introdução da espécie africana em 1956 pelo geneticista Warwick Estevam Kerr como uma tentativa de aumento da produtividade de mel e derivados, uma vez que a espécie brasileira possuía baixa produtividade. No entanto, ressaltou que, apesar de mais produtivas e resistentes às pragas, as abelhas africanizadas possuem características que as tornam mais nocivas ao convívio humano: são mais excitáveis, mais propensas a ataques em massa e precisam de um tempo maior para se acalmarem.

Discorreu, então, sobre o Estudo APIS, estudo clínico com o novo soro antiapílico contra picadas de abelhas africanizadas e serve como sugestão de condutas ao médico assistente antes do encaminhamento. O estudo tem por objetivo avaliar a segurança e a eficácia preliminar do novo soro antiapílico em pacientes vítimas de múltiplas picadas. Apresentando os primeiros resultados do estudo, ressaltou que os pacientes se encontram bem e, em 95% dos pacientes, não foi registrado qualquer grau de hipersensibilidade ao soro. No encerramento de sua apresentação, afirmou que os próximos passos incluem a análise dos dados clínicos e laboratoriais de eficácia, a análise dos dados de venenemia e proteômica, a redação de relatório para Anvisa, a publicação dos resultados e, por fim, a viabilização da Fase III do estudo.

Na sequência, o Dr. Alberto Chebabo (HUCFF – UFRJ) discorreu sobre “Mordeduras por Mamíferos: Raiva e Celulite Bacteriana – Profilaxia e Tratamento Clínico”, chamando atenção para o fato de que, nos Estados Unidos, são registrados cerca de 400.000 mordeduras de gatos e 4,5 milhões de mordeduras de cachorro por ano. Ressaltou ainda que, em crianças pequenas, a maior parte das mordeduras ocorrem na cabeça e pescoço; destas, 10% das mordeduras ocorrem na face. Acerca das manifestações clínicas das mordeduras, destacou que os sintomas podem aparecer dentro de horas e até dias após a mordedura de animais e que os mais comuns incluem dor, eritema e inflamação da área afetada, com infecções poli microbianas.

Ao final de sua apresentação, afirmou que os acidentes com animais são cada vez mais comuns devido ao aumento de animais de estimação e que mordeduras de gatos e humanos apresentam maior risco de infecção do que mordedura de cães. Sobre a profilaxia para doenças como raiva e tétano, o Dr. Alberto Chebabo ressaltou que cada caso deverá ser avaliado individualmente, sendo aplicados os protocolos estabelecidos e convenientes a cada caso.

Discorrendo sobre “Tratamento Cirúrgico Inicial e Tardio de Mordeduras”, o Acad. Ricardo José Lopes da Cruz ressaltou que, ao abordar a abordagem cirúrgica de mordeduras, uma das principais dúvidas levantadas se refere à decisão de suturar ou não os ferimentos. Acerca desta questão, o Acadêmico ressaltou que não existe consenso na literatura sobre o assunto; no entanto, afirmou que a vertente na qual o cirurgião está inserido prega que, em feridas de tamanho pequeno a médio e que são pouco aparentes, a sutura não é indicada – deve-se usar pontos de aproximação, por exemplo. Seguiu afirmando que o fechamento hermético pode favorecer a proliferação bacteriana e a formação de celulite facial.

Na conclusão de sua apresentação, o Dr. Ricardo Cruz destacou que, em geral, a formação de cicatrizes inestéticas decorre de erro de técnica cirúrgica. Apresentou, então, dicas para melhores resultados cirúrgicos, que incluíram o respeito às Linhas de Linger, não utilização de pontos muito próximos e de sutura intradérmica em ferimentos no rosto. Além deste fato, chamou atenção para o fato de que hematomas faciais não devem ser drenados, com exceção de duas áreas: nariz e orelhas.

Na sequência, o Dr. Claudio Maurício Vieira de Souza (Instituto Vital Brazil) fez apresentação acerca do “Escorpionismo como Modelo de Dinâmica em Saúde Ambiental”, apresentando dados que apontam para um aumento significativo na evolução dos acidentes por animais peçonhentos no Brasil nos últimos anos. Demonstrou, também, os importantes desdobramentos decorrentes das picadas de escorpião, que podem incluir desde dor, eritema e sudorese local (nos casos mais simples) até edema pulmonar agudo (nos casos mais graves).

Ao final de sua apresentação, destacou que os escorpiões são os animais peçonhentos responsáveis pelo maior número de casos de intoxicação humana no Brasil e que os modelos de alterações ambientais e de ocupação do espaço pelo homem promovem a criação de condições que favorecem a dispersão de diferentes espécies para novas localidades. Ressaltou, ainda, que no Estado do Rio de Janeiro, as regiões mais atingidas pelo escorpionismo são Sul Fluminense, Médio Paraíba, Norte e Noroeste do Estado.

A Dra. Tânia Mota (Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro) fez apresentação sobre “Escorpionismo e Ofidismo: Tratamento e Prevenção em um Quadro de Carência de Imunobiológicos”, destacando que, no ano de 2013, o ANVISA modificou suas diretrizes de boas práticas para produção, o que resultou na notificação dos três principais laboratórios do estado e na subsequente queda na produção. Na sequência, chamou atenção para a importância de que, durante o ensino médico, a notificação seja encarada como uma etapa do atendimento, ressaltando que as Secretarias de Saúde se baseiam em mapas situacionais para calcular a demanda de soro.

Sobre as informações coletadas, destacou que dados como o local onde o ataque aconteceu e o perfil socioeconômico das populações atingidas (ocupação, qualidade de moradia, presença ou ausência de saneamento básico etc.) são vitais para a manutenção de políticas positivas de produção e distribuição de soro. Destacou, ainda, que o Rio de Janeiro é o único ente da federação que possui pacto para estas ações, garantindo que qualquer cidadão – estando ou não em seu município de origem – receba atendimento e tratamento adequados. Por fim, afirmou que, graças a este pacto com as secretarias municipais, no período de 2013 a 2019 não foi registrado nenhum óbito decorrente da falta do soro.

Por fim, a Dra. Cristina Lemos (Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro) fez apresentação sobre “Picadas e Mordeduras: Situação e Fluxo de Atendimento no Município do Rio de Janeiro”, apresentando diferentes séries históricas que apontaram para o cenário envolvendo animais peçonhentos no município. A partir dos dados apresentados, foi possível identificar fatores como bairros mais atingidos, idade da população que recebe atendimento e meses onde são registrados mais ataques. Ressaltou, ainda, que cerca quase 70% dos acidentes registrados são de classificação leve, não necessitando de intervenção soroterápica em 66% dos casos.

Em sua conferência, a Dra. Cristina Lemos demonstrou os procedimentos recomendados pela Secretaria de Saúde para a abordagem de doenças como a raiva, incluindo identificação das características do ferimento, a classificação do acidente e a avaliação do animal. Ressaltou, ainda, a importância da contínua oferta de treinamento e atualização dos profissionais que atuam nesta área, visando a capacitação para prescrição da conduta pertinente para cada caso.

Com apresentação que homenageou o Acadêmico Vital Brazil Mineiro da Campanha, patrono da Cadeira 83 da Secção de Ciências Aplicadas à Medicina, o Acad. Celso Ferreira Ramos Filho apresentou um histórico da abordagem de picadas e mordeduras como um problema emergente de saúde pública. Além deste fato, demonstrou também a evolução histórica da soroterapia, destacando a importância de figuras como os Drs. Shibasaburo Kitasato (1852-1931), Pierre Paul Émile Roux (1853- 1933) e Emil Adolf von Bhering (1854-1917).

Sobre a figura histórica de Vital Brazil Mineiro da Campanha, chamou atenção para seu pioneirismo na verificação experimental da eficácia dos tratamentos populares empregados contra o ofidismo. O Acadêmico ressaltou, ainda, que as descobertas de Vital Brazil sobre a especificidade dos soros antipeçonhentos estabeleceu um novo conceito na imunologia e seu trabalho sobre a dosagem dos soros antiofídicos gerou tecnologia inédita. A criação dos soros antipeçonhentos específicos e o antiofídico polivalente ofereceu à medicina, pela primeira vez, um produto realmente eficaz no tratamento do acidente ofídico que, sem substituto, permanece salvando centenas de vidas nos últimos cem anos.

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