Academia Nacional de Medicina realiza Simpósio sobre Compulsão Alimentar – Como Reconhecer e Tratar

14/04/2016
Mesa Diretora. Acadêmicos Psiquiatra Adolpho Hoirisch, Francisco Sampaio (Presidente) e Cardoso de Castro (Secretário)

Na primeira parte do Simpósio, o Acadêmico Antonio Nardi falou sobre os Aspectos Diagnósticos do Transtorno Alimentar.

Psiquiatra Acadêmico Antonio Egidio Nardi ministrando palestra sobre diagnóstico dos transtornos alimentares.

Os Transtornos da Alimentação – Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa e Transtorno de Compulsão Alimentar – têm recebido uma atenção crescente devido ao reconhecimento de sua alta prevalência e das dificuldades associadas ao seu tratamento. Os casos refratários ao tratamento estão freqüentemente associados a altos índices de mortalidade, sendo que 15% desses pacientes vão a óbito. Formas crônicas destes transtornos ocorrem em 25% dos pacientes, que se caracterizam por baixo peso crônico ou por acentuadas flutuações de peso. As complicações metabólicas (inclusive desnutrição), as seqüelas psicológicas (transtornos de ansiedade ou do humor) e o isolamento social estão presentes em todos os casos.

A história do Comer Compulsivo já era descrita na Roma Antiga, onde os ricos patrícios praticavam orgias com comer compulsivo e vômitos em locais especiais: os “vomitoriums”. O grego Galeno (130-200 DC) definiu a “boulimus” como uma disfunção digestiva. Na Idade Média foram descritos alguns casos documentados de anorexia irreversível, associadas a santas italianas como Santa Catarina de Siena do Século XIII, cunhando a expressão Santas anoréxicas, que estariam mais próximas a Deus pelo seu descuido com o corpo.

A primeira descrição médica de Anorexia Nervosa foi de Richard Morton em 1694. Nesse trabalho, Morton descreveu dois casos de “consumação nervosa” diferenciando-os de outras causas de emagrecimento acentuado. Em 1868, William Gull, descreveu com detalhes e denominou de “Anorexia Nervosa” e reconheceu o envolvimento de fatores familiares no aparecimento e na manutenção do quadro.

A Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa são 20 vezes mais frequentes em mulheres do que em homens, podendo-se dizer que são raras em homens. O início da Anorexia se dá na adolescência ou na idade adulta jovem, sendo que a Bulimia parece começar um pouco mais tarde. Grupos socioeconômicos privilegiados, e profissões como manequins e dançarinas, parecem incluir indivíduos com maior risco. A prevalência de anorexia nervosa entre mulheres jovens é de 0,2 a 0,9%. A incidência anual em mulheres é de 14,1 / 100.000 habitantes. Estes índices têm aumentado anualmente, desde 1950, principalmente entre mulheres na faixa etária de 15 a 24 anos (aumento em torno de 1,03/100.000 pessoas-ano/ano). Em homens a incidência é menor que 0,5 / 100.000 habitantes. A mortalidade de anorexia nervosa está em torno de 10%.

O início da anorexia nervosa ocorre entre a segunda e terceira décadas de vida, sendo a idade média de 18 anos. A maior parte do comportamento patológico dirigido à perda de peso ocorre em segredo. Os pacientes anoréticos geralmente recusam-se a comer em público. Apresentam pensamento constante sobre alimentação, levando-os a colecionar receitas, preparar refeições elaboradas para outras pessoas ou insistir que outros se alimentem exageradamente.

Os episódios bulímicos (consumo alimentar compulsivo) seguidos de indução de vômitos são usuais nos períodos de restrição alimentar voluntária, ocorrem secretamente, em geral durante a madrugada. Os pacientes abusam de anorexígenos, laxantes e diuréticos, com o intuito de perder peso. Exercícios físicos exagerados também podem fazer parte do quadro. Apresentam um distúrbio do modo de vivenciar o peso. Alegam “se sentirem gordos”, e mesmo quando muito magras referem-se como muito obesas.

Os vômitos são comuns e auto-induzidos. São capazes de vomitar onde e quando quiserem. O vômito diminui a dor abdominal, e permite que o paciente continue a comer sem medo de ganhar peso.

Comportamento ritualístico em relação aos alimentos pode estar presente. Por exemplo, guardar comida nos bolsos, em pequenos embrulhos na bolsa, cortar a carne em pedaços tão pequenos que fica difícil pegar com talheres ou organizar e reorganizar várias vezes a comida no prato.

Diversas complicações médicas podem surgir relacionadas à perda de peso, aos vômitos e abuso de laxantes: perda de massa muscular, metabolismo tireóideo reduzido, intolerância ao frio, arritmias cardíacas, anemia, cálculos renais, constipação intestinal, dor abdominal, amenorréia, edema, osteoporose, alcalose hipocalêmica e hipoclorêmica, inflamação e aumento da glândula salivar e pancreática, erosão do esmalte dentário, convulsões, etc.

O curso da Anorexia Nervosa é muito variável. Pode ocorrer recuperação espontânea sem tratamento (50% dos pacientes em 5 a 10 anos de evolução natural); pode ocorrer recuperação após vários tratamentos; pode cursar de forma crônica, com períodos de aumento e diminuição de peso; ou ainda, resultar em morte pelas complicações da inanição (em torno de 15%). O prognóstico como um todo não é bom. Mesmo nos pacientes que se recuperam, a preocupação com alimentos e peso corporal permanece, os relacionamentos sociais continuam pobres e freqüentemente apresentam síndrome depressiva recorrente.

A bulimia nervosa caracteriza-se pelos episódios bulímicos (consumo alimentar compulsivo), acompanhados de práticas compensatórias inadequadas: vômitos auto-induzidos, uso de diuréticos, inibidores do apetite, laxantes, exercícios físicos e dietas. O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais exige para o diagnóstico: episódios recorrentes de comer compulsivo; uso de laxativos ou repetidos vômitos, diuréticos, enemas, jejum, exercícios exagerados, ou medicações para diminuir de peso; a ocorrência de duas a três vezes /semana por no mínimo três meses desses episódios; a forma corporal e peso sem influência da auto-avaliação; e sem anorexia. Também dividem em subtipos: 1. Purgativo: com vômitos induzidos, laxativos, diuréticos ou enemas. 2. Não purgativo: com apenas jejum, exercícios, controle de calorias. A Bulimia Nervosa parece ser de prognóstico melhor. O curso é crônico, com remissões parciais ocasionais. Raramente é incapacitante. Vômitos freqüentes causam cáries dentárias, aumento da glândula salivar, amilase sérica elevada e esofagite. Sinais de um prognóstico mais favorável são: admissão da fome, ausência de abuso de drogas, personalidade melhor adaptada e mais madura.

O Comer Compulsivo ou Transtorno de Compulsão Alimentar é caracterizado por episódios recorrentes de comer compulsivo (comer rápido, até exageradamente pleno; em grandes quantidades de comida sem fome; comer só, devido ao constrangimento da quantidade; e sensação de culpa, depressão e vergonha após a ingestão); acentuado desconforto com comer compulsivo; e freqüência mínima de episódios de comer compulsivo de dois dias por semana durante seis meses.

Na anorexia nervosa 50% dos pacientes apresentam recuperação completa, 30% evolução mediana, com períodos de melhora e recidiva. O índice de mortalidade pode variar de 6 a 15%. Destes, 54% morrem de complicações físicas da anorexia, 27% por suicídio e 19% causas desconhecidas.

Fatores indicativos de evolução ruim:

· Peso muito baixo no início do tratamento.

· Aparecimento tardio.

· Demora em procurar ajuda médica.

· Práticas purgativas.

· Relações familiares comprometidas.

· Comorbidade psiquiátrica.

O custo dos transtornos alimentares para o paciente, sua família e para a sociedade exigem um diagnóstico precoce e tratamento adequado para serem minimizados.

Na sequência, foi discutida a Interface entre a Compulsão Alimentar e a Obesidade.

Mesa Diretora. Acadêmicos Antonio Nardi, Adolpho Hoirisch, Monica Gadelha, Francisco Sampaio (Presidente), Prof. Walmir Coutinho, Acad. Cláudio Cardoso de Castro (Secretário) e Prof. José Apollinario

O endocrinologista Walmir Coutinho (PUC-RJ) iniciou sua palestra colocando a obesidade como uma crise global de saúde. O médico apresentou dados que colocam a obesidade como terceiro maior ônus social causado pelo homem, perdendo apenas para o tabagismo e a violência armada (o que inclui guerras e o terrorismo).

Bancada Acadêmica e Anfiteatro lotados de Acadêmicos, médicos, nutricionistas, estudantes e profissionais da área de saúde.

Com base nos Cadernos de Saúde Pública do ano de 2007 disponibilizados na Biblioteca da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Dr. Walmir Coutinho demonstrou os altos custos de hospitalização causados pela obesidade para o Sistema Único de Saúde. Em contrapartida, o Dr. Coutinho também apresentou os dados que confirmam os inúmeros benefícios que a perda de peso (ainda que modesta) gera para a saúde do paciente.

O Professor ressaltou que a falta de atividade física como a principal causa para a obesidade, trazendo atenção para o fato de que as populações economicamente desfavorecidas são aquelas com um maior grau de vulnerabilidade, uma vez que os alimentos com maiores taxas calóricas são aqueles que possuem os menores preços. Além disso, um ambiente urbano que não favorece a prática de atividade física e o tempo gasto por essa população no deslocamento até o local de trabalho (que acaba tomando tempo que poderia ser dedicado à prática de exercícios) também interferem negativamente. O médico ressaltou, ainda, que apesar da imagem do Rio de Janeiro como “uma cidade que pratica exercícios físicos”, uma pesquisa apresentada indica que cerca de 77,8% das mulheres cariocas são sedentárias.

O esforço coordenado de ações de combate à obesidade foi demonstrado a partir de iniciativas como o Dia Latino-Americano de Combate à Obesidade (criado em 1998), o Dia Nacional de Combate à Obesidade (criado em 1999) e o Dia Nacional de Prevenção da Obesidade (2008). Salientando o papel das organizações de combate à obesidade, o Professor apresentou o trabalho da World Obesity Federation, organização dentro da qual ele atuou como Vice-Presidente para América Latina, que conta com mais de 30 mil membros em 50 países. Nesse sentido, a adoção, pela World Obesity Federation do dia 11 de outubro como Dia Mundial da Obesidade – que coincide com o Dia Nacional de Prevenção da Obesidade – tem como objetivo encorajar mais associações a realizar campanhas de elevado impacto na mídia, aumentar o entendimento público e fomentar a criação de políticas de combate à obesidade, além de compartilhar experiências nacionais de campanha para permitir a difusão das boas práticas.

As estimativas recentes apresentadas pelo Professor Walmir Coutinho não mostram um quadro favorável: segundo essas estimativas, até o ano de 2025, 2,7 bilhões de adultos vão apresentar excesso de peso – se os padrões atuais continuarem a se repetir, isso se traduzirá em 117 milhões de adultos com obesidade mórbida. Tendo em vista este quadro, governos de todo mundo (inclusive o Governo brasileiro) se comprometeram a reduzir a prevalência de sobrepeso para os níveis observados em 2010 até o ano de 2025.

O Professor chamou a atenção para o que ele chamou de “guerra ao peso”, apresentando diversas medidas já implementadas pelo mundo para o combate à obesidade – medidas essas que confirmam a gravidade do problema e a urgência com a qual ele vem sido encarado: criação de impostos sobre alimentos de alto teor calórico, restrição de propaganda (principalmente voltada para o público infantil), sobretaxas, incentivos financeiros para perda de peso, dentre outras.

Passando para a apresentação das alternativas de tratamento clínico da obesidade, o Prof. Coutinho ressaltou que, apesar de serem autorizadas apenas as substâncias Sibutramina e Orlistat, diversos estudos vêm sido conduzidos que comprovam a eficácia de tratamentos clínicos combinados e terapias multidisciplinares. Além disso, o Prof. Coutinho chamou atenção para o fato de que um dos principais desafios ao tratamento clínico são as diferentes respostas hormonais relatadas pelo corpo à perda de peso: em grande parte dos casos, o corpo tem uma resposta “compensatória”, tentando recuperar o peso que perdeu.

Por fim, o Professor Walmir Coutinho concluiu sua palestra salientando que a obesidade se coloca como o principal desafio à saúde pública mundial, e que novas ferramentas estão sendo constantemente desenvolvidas para reduzir os graves danos à saúde da população. Além deste fato, a compulsão alimentar for apresentada como uma comorbidade frequente, que, para além das associações clássicas ao Índice de Massa Corporal (IMC), parece estar associada a uma hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.

“Saturno” (1820-1823) – Francisco de Goya (1746-1828), Museu do Prado, Madri

Durante a discussão de compulsão alimentar, o Presidente Francisco Sampaio apresentou interessante quadro da fase negra do famoso pintor Francisco de Goya, pintado entre 1820 e 1823. A impressionante pintura representa “Saturno” no momento em que devora a um dos seus filhos. O deus “Saturno”, sabendo que um dia seria destronado por um deles, exigiu que sua esposa Cibeles os entregasse. Ela, entretanto, conseguiu salvar “Júpiter”, que derrotou a seu pai e o expulsou do céu.

Prof. Appolinário, Psiquiatra da Universidade federal do Rio de Janeiro

O Prof. José Carlos Appolinário da UFRJ, abordou o Tratamento do Transtorno da Compulsão Alimentar (TCA) que foi incluído no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (5ª. Ed) ou DSM-5, como uma categoria diagnóstica principal no grupamento dos transtornos alimentares. O TCA é caracterizado por episódios de compulsão alimentar perturbadores e frequentes, mas sem os mecanismos compensatórios inadequados presentes na bulimia nervosa. Ele é considerado o transtorno alimentar mais frequente na população geral. Várias hipóteses explicativas têm sido propostas para a gênese do TCA que poderia ser considerado um subtipo de obesidade, um transtorno do controle dos impulsos, assim como uma forma de dependência de comida.

O seu tratamento deve ser multimodal, no qual as estratégias psicoterápicas e intervenções nutricionais devem ser os pilares. Várias formas de psicoterapia têm sido estudadas no TCA com especial destaque para a Terapia Cognitivo-Comportamental, a Terapia Interpessoal, e, atualmente, muito destaque vem sendo dado à chamada Terapia Comportamental Dialética no tratamento do TCA. A Terapia Cognitivo-Comportamental é a psicoterapia com a maior base de evidências nesta condição clínica. Vários estudos clínicos randomizados tem demonstrado a efetividade da Terapia Cognitivo-Comportamental em relação à compulsão alimentar e às alterações psicopatológicas associadas (sintomas de depressão, ansiedade e alterações da imagem corporal). Entretanto, as diversas formas de psicoterapia não têm sido muito efetivas para redução do peso corporal.

O tratamento farmacológico e considerado uma abordagem adjunta das estratégias anteriores. O campo das investigações com agentes farmacológicos no TCA é considerado em expansão. Os antidepressivos, estabilizadores do humor e agentes antiobesidade foram os primeiros fármacos estudados nesta condição. Atualmente novos agentes utilizados no abuso de substâncias e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade têm sido também avaliados no tratamento do TCA.

Na farmacoterapia do TCA podem ser destacados a sibutramina, o topiramato e a lisdexanfetamina por apresentaram respostas mais consistentes nos vários parâmetros da síndrome, com um maior número de evidências. A lisdexanfetamina foi o primeiro agente aprovado para o tratamento do TCA pelo FDA (Food and Drug Administration), que é o órgão governamental dos EUA responsável pelo controle dos medicamentos.

No intervalo do Simpósio, durante o Chá Acadêmico servido no Salão Nobre da Academia Nacional de Medicina, os Acadêmicos, Professores, Convidados e Estudantes, participaram em conjunto, e trocaram ideias e discutiram os assuntos apresentados, ao som de violino ao vivo.

Chá Acadêmico
Violinista Roger Gomes Ribeiro

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