Humanismo e espiritualidade

04/02/2021

“Ao refletirmos sobre clínica, humanismo e espiritualidade, estamos fazendo um ato de resistência moral, frente ao amargor de termos de conviver com centenas de milhares de mortes prematuras e a amargura de presenciar o vagalhão anti-humanista que se espalha em nosso país”, com essa crítica social e citando a homenagem ao acadêmico Ricardo Cruz, que veio a óbito no final do ano passado, Paulo Blank, psicanalista e escritor, iniciou as apresentações da sessão do Programa de Verão Humanismo e Espiritualidade, realizada no dia 4 de fevereiro de 2021. 

O psicanalista, ao iniciar sua reflexão, traça paralelos com os valores judaico-cristãos que, segundo ele, implantaram o humanismo e são aparentemente religiosos, mas que levaram o Ocidente à revolução iluminista, à afirmação dos direitos universais, ao projeto de Fraternidade, Liberdade e Igualdade. Fatos que inspiraram o filósofo judeu Emmanuel Levinas e que o conduziram até a conclusão de que é a relação com o outro que nos leva à verdadeira experiência da transcendência, ou seja, é no convívio real que a espiritualidade humana se expressa e se realiza. 

“Falamos de um próximo que não é o terceiro que está diante de mim, e sim um terceiro ausente. Um desconhecido ao qual eu protejo quando visto uma máscara ao sair de casa – marca que distingue os humanistas contemporâneos dos opositores de uma humanidade solidária responsável. Não usamos máscaras por compaixão etérea, mas por exercício de justiça”, elucida Blank. 

Passando da discussão do humanismo como relação entre os seres humanos, a sessão nos brindou com a palestra de Paul Alexander Schweitzer, padre e matemático da PUC-Rio que falou profundamente da ciência e fé, daquilo que é tangibilizado pelas ciências exatas, mas encontra no mistério da fé questões ainda não respondidas. Em sua apresentação, Pe Paul falou sobre teoria do Big Bang, explicou o princípio antrópico, apontando reflexões sobre a criação do universo que “não é uma prova inquestionável da ação direta de Deus criador em favor do ser humano” e trouxe perguntas fundamentais como: “Por que algo existe, em vez de nada?”; “Por que há uma ordem no Cosmos, ao invés do caos”; “Por que as leis da natureza são estáveis?”. Segundo ele, as respostas são metafísicas, religiosas, de fé, são as pegadas de Deus criador. 

Pe Paulo finalizou com uma mensagem de cuidado pelo mundo a construir. “Em sintonia com esse Cosmos maravilhoso que nos nutri, cuidemos pela casa comum. Criemos um mundo de fé, de amor, de paz, pois nós somos as mãos de Deus na construção do futuro. A paz e a confiança, respeitando a todos, cultivando uma espiritualidade, contribuimos para a saúde”. 

Maria Clara Lucchetti Bingemer, do departamento de Teologia da PUC-RJ, que coordenou a sessão, falou sobre saúde e salvação. Ela expõe que tudo que está relacionado com a humanidade e o ser humano, considerando constitutivas a espiritualidade e a saúde. Ela faz paralelos com a Bíblia que, constantemente, apresenta passagens que citam enfermos e a busca da cura e salvação através da espiritualidade, pelos atos milagrosos e de compaixão de Jesus Cristo. “Na Bíblia, a saúde é um bem relacionado mais que à vida, ao autor da vida. A Deus mesmo. A saúde então é um dom divino, uma benção dentre tantas outras.”, disse ela.  

Para Maria Clara, há um ponto central na Bíblia cristã que aponta a espiritualidade, que significa responsabilidade pela vida do outro, lugar fundamental da salvação, em que Jesus relaciona às atitudes para com o próximo necessitado. Segundo ela, não existe salvação sem vida plena, sem cuidado e atenção à nossa corporeidade; do outro e da Terra também, já que uma espiritualidade integradora não pode esquecer o meio ambiente que vivemos e dependemos. E finaliza sua apresentação recitando Adélia Prado: “Eu tenho a esperança de que nada se perde. Tudo alguma coisa gera, o que parece morto, aduba. O que parece estático, espera”. 

O acadêmico e ex-presidente da ANM, Jorge Alberto Costa e Silva, encerrou a sessão com comentários sobre as palestras e fez relatos pessoais sobre o quanto se identificou com os temas abordados.  

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