Simpósio “As Febres do Rio de Janeiro – Nossas Epidemias de Verão” movimenta a Academia Nacional de Medicina

20/11/2015

No dia 19 de novembro de 2015, a Academia Nacional de Medicina promoveu o Simpósio “As Febres do Rio de Janeiro – Nossas Epidemias de Verão”, coordenado pelo Infectologista Acadêmico Celso Ferreira Ramos Filho.

Historicamente, a cidade do Rio de Janeiro tem sido o local de ocorrência de epidemias de doenças febris, ao menos desde a invasão da Febre Amarela, detectada pelo Acadêmico Robert Avé-Lallemand, em 1849. A própria evolução urbanística da cidade tem a ocorrência dessas febres como um de seus fulcros, bastando citar o progressivo deslocamento de seu eixo habitacional para as praias do litoral Sul, livres dos miasmas exalados por pântanos e aterrados, e o desmonte do Morro do Castelo, com o objetivo inicial de arejar a cidade, permitindo a entrada dos ventos marítimos, vindos da barra da baía da Guanabara, e seguindo as concepções sanitárias da época.

Como órgão de assessoria do Governo Imperial do Brasil, a Academia Imperial de Medicina teve participação ativa e destacada no combate a tais epidemias, seja pela emissão de relatórios e pareceres, seja pela atividade de seus membros, como os Acadêmicos Pereira Rego, Paula Cândido, Torres Homem, Domingos Freire (no século XIX) e Miguel Couto, Azevedo Sodré, Carlos Seidl e Oswaldo Cruz (no século XX). Se, nas últimas décadas, funções propriamente consultivas não lhe eram mais atribuídas, a Academia permaneceu como importante palco social no controle da doença.

Após a última invasão da febre amarela, em 1928, antecedida de cinco anos por uma epidemia de dengue em Niterói, as doenças transmitidas por Aedes ausentaram-se do Rio de Janeiro até o reaparecimento do dengue, em 1986, com a entrada progressiva e circulação de todos os quatro sorotipos, com o estabelecimento de uma situação de hiperendemicidade dramaticamente demonstrada pelas sucessivas epidemias que, desde então, vêm surgindo.

Nos últimos meses, deu-se a entrada no Brasil de dois outros vírus transmitidos por mosquitos do gênero Aedes: o Chikungunya, um Alfavirus, e o Zika, um Flavivirus, como os do dengue e da Febre Amarela.

Estamos já vendo casos com características clínicas de Zika e Chikungunya no Rio de Janeiro. Isto, aliado à larga disseminação do Aedes aegypti e ao recente aumento de casos de dengue no Estado, permite supor a possibilidade – talvez inédita – de três epidemias simultâneas, por vírus bem distintos, mas com superposição parcial de manifestações clínicas e transmitidos pelo mesmo vetor.

Portanto, foi oportuno a Academia Nacional de Medicina, no exercício de suas obrigações estatutárias e na boa tradição de sua quase bicentenária história, organizar um alto fórum de discussão dos agravos mencionados e da situação entomo-epidemiológica que os favorece, no início da temporada mais propícia à sua ocorrência.

Febre por vírus Chikungunya não é “uma dengue leve”

Neste simpósio, após a exposição do Prof. Carlos Brittes, infectologista da Universidade Federal da Bahia, foi amplamente discutida a epidemia pelo vírus Chikungunya, que, no momento, assola o Brasil, junto aos vírus da Dengue e do Zika.

A febre Chikungunya teve seu vírus isolado pela primeira vez em 1952, em um paciente febril durante um surto na Tanzânia. A palavra Chikungunya, em dialeto Makonde da Tanzânia, significa “aqueles que se dobram”, uma referência a uma das características clínicas da doença, que, apesar de pouco letal, é muito limitante. O paciente tem dificuldade de movimentos e locomoção por causa das articulações inflamadas e doloridas, daí o “andar curvado”.

A infecção é transmitida por mosquitos do gênero Aedes (A. aegipty e A. albopictus) e, até recentemente, era limitada à África Subsaariana. Entretanto, a partir de 2004, ocorreram epidemias no Quênia e alastramento da infecção para as ilhas do Oceano Índico. Entre 2004 e 2006, estima-se que ocorreram 500 mil casos nesses locais. A partir destas áreas, a infecção se espalhou pelo sudeste asiático e, mais recentemente, atingiu a França, Ilhas Reunião (maior epidemia, com 266 mil pessoas acometidas – 34% da população). Também atingiu a Índia (2006), Ravena, na Itália (2007), América Central e Caribe (2013) e chegou ao Brasil em dezembro de 2014, no Oiapoque, Amapá. Hoje, a infecção alastrou-se pelo território nacional brasileiro e, provavelmente, se tornará endêmica em nosso meio.

Vírus Chikungunya – Países ou áreas de risco

As manifestações clínicas, após um período de incubação de 1 a 12 dias, incluem:

  • Febre alta de início súbito, dores musculares, dores nas costas, dores nas articulações em geral, sendo que a dor é intensa, incapacitante, impede o sono e o caminhar, com duração média de 1 a 3 semanas (podendo chegar a muitos meses);
  • Pode ocorrer dor de cabeça, dor de garganta, náuseas, vômitos, diarreia, gânglios cervicais ou generalizados;
  • Ocorre ainda fotofobia, conjuntivite, hemorragia conjuntival;
  • Alteração do estado mental, convulsões, déficits cerebrais;
  • A hemorragia é rara, mais leve do que na dengue, e mais comum em velhos e crianças.

A febre Chikungunya apresenta algumas características peculiares:

  • Mulheres grávidas são mais afetadas (50% nas Ilhas Reunião) e o desfecho da gestação não é afetado. A transmissão transplacentária é improvável, mas pode ocorrer no canal de parto (viremia). A transmissão ao recém nato é associada com prostração, dor, febre, plaquetopenia e até alguns casos de encefalopatia, com sangramento intracranianao e sequelas;
  • Pode ocorrer evolução para artrite crônica em alguns casos, com duração de 3 anos ou mais;
  • Existem critérios positivos para artrite reumatoide.

O diagnóstico é eminentemente clínico, mas pode ser feita a confirmação através da detecção de anticorpos contra o vírus (surgem após uma semana do início dos sintomas) ou por isolamento/detecção do vírus na primeira semana de doença. Não existe tratamento estabelecido para a infecção. Habitualmente, recomenda-se hidratação, repouso, e medicações sintomáticas, principalmente quando existem dores articulares. 

Apesar de baixa letalidade, a infecção por Chikungunya pode ocasionar lesões articulares muito dolorosas, com elevado grau de incapacitação dos pacientes acometidos. A artrite secundária à Chikungunya pode persistir por meses e, até mesmo, anos.

Chikungunya, “aqueles que se dobram”, gera dores articulares incapacitantes

Os fatores de risco para a cronificação dos problemas articulares, cuja provável causa é a replicação viral persistente em articulações, incluem:

  • Sintomas mais intensos na fase aguda (febre alta, calafrios, rash severo, dores intensas);
  • Idade maior que 45 anos (50 vezes maior risco de morte);
  • Carga viral elevada;
  • Títulos elevados de anticorpos para Chikungunya.

Não há vacina contra a infecção e a prevenção deve ser feita evitando-se picadas de mosquitos (cobertura das áreas corporais expostas a picada do mosquito, e/ou uso de repelentes). Os mosquitos vetores, que podem ser identificados por faixas brancas sobre os seus corpos e pernas negras, são mordedores agressivos, diurnos, com pico de atividade de alimentação ao amanhecer e ao entardecer. A eliminação de criadouros potenciais para o mosquito transmissor é de extrema importância no combate à disseminação da doença . Recipientes contendo água parada, lixo e detritos em geral devem ser removidos das proximidades das residências, reduzindo o risco de proliferação dos mosquitos transmissores desta virose.

A Academia Nacional de Medicina alerta que a possibilidade da febre Chikungunya se tornar epidêmica em nosso país é muito grande. O Ministério da Saúde informou a ocorrência de 211 casos até outubro, entretanto, apenas em Feira de Santana, na Bahia, já foram diagnosticados 1.245 casos. Além disso, a doença não pode ser considerada “uma dengue leve”, como se falava no início, pois pode ser grave e é extremamente incapacitante, podendo evoluir para dores articulares crônicas, o que a torna um problema de saúde pública da maior relevância.

Epidemia do vírus Zika também é discutida na Academia Nacional de Medicina

A partir da excelente exposição do Infectologista e Pesquisador da Fiocruz, Dr. José Cerbino, a infecção pelo vírus Zika foi o novo assunto abordado no Simpósio “As Febres do Rio de Janeiro – Nossas Epidemias de Verão”.

O Zika, que é um vírus próximo de outros transmitidos por mosquitos do tipo Aedes , principalmente, no nosso caso, pelo Aedes aegypti , como Dengue, Febre Amarela, Febre do Nilo Ocidental, Chikungunya, entre outros. Já foi identificado evidência de transmissão perinatal do vírus Zika, durante um surto na Polinésia Francesa (2013), assim como através de transfusão sanguínea. Além disso, também existe evidência de transmissão sexual. Após período de incubação de 4 dias (3 a 12), podem ser observados:

  • Rash máculo-papular (manchas na pele), com frequência pruriginosas (com coceira);
  • Febre baixa ou ausente;
  • Conjuntivite (inflamação dos olhos);
  • Mialgia, artralgia, edema (dor muscular, dor nas articulações e inchaço).

Em 1947, ocorreu o primeiro isolamento do vírus, a partir do sangue de macaco Rhesus febril, na floresta de Zika, em Uganda. Em 1952, foi feito o primeiro isolamento do vírus Zika em humanos, na Nigéria. Historicamente, entre 1947 e 2007, foram descritos casos, na África e na Ásia, sem formas graves e sem comportamento epidêmico. Desde então, em termos de epidemiologia, foi verificado que o crescimento e a disseminação da doença têm sido muito intensos, com os primeiros casos fora dos continentes africano e asiático:

  • 2007 – Surto nas Ilhas Yap, Micronésia, (8 mil casos);
  • 2013 – Epidemia na Polinésia Francesa (30 mil casos);
  • 2014 – Surto simultâneo no Pacífico: Dengue, Chikungunya e Zika;
  • 2014 – 1ª. Detecção nas Américas, Ilha de Páscoa, Chile.

Em março de 2015, amostras de 24 pacientes internados em Camaçari, Bahia, com diagnóstico de doença febril exantemática foram encaminhadas à Universidade Federal da Bahia e, destas, 7 foram positivas para vírus Zika. A análise genética mostrou se tratar da linhagem asiática, com 99% de identidade com os isolados na Polinésia Francesa. Em junho de 2015, foram descritos os primeiros casos confirmados de transmissão autóctone (dentro do próprio país) de vírus Zika no Brasil, na região Nordeste.

Países com evidência de transmissão do vírus Zika: (1) casos adquiridos localmente ou isolamento do vírus, (2) apenas dados de levantamento soro-epidemiológico
Países e Estados com casos confirmados de infecção pelo vírus Zika

Microcefalia e vírus Zika

Em 22 de outubro de 2015, foram notificados, pela Secretaria de Estado de Saúde de Pernambuco, 26 casos de neonatos com microcefalia em diversos hospitais especializados, públicos e privados, de diferentes regiões do Estado. Os recém-nascidos apresentavam perímetro cefálico menor que o esperado para a idade e sexo ao nascer.

Em 12 de novembro de 2015, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM nº 1.813, que declara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), tendo em vista alteração do padrão de ocorrência de microcefalias no Brasil, com base no Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011.

Uma avaliação preliminar de médicos neonatologistas de Pernambuco indicou que:

  • Exames clínicos e neurológicos são normais, exceto pela microcefalia;
  • A maioria dos recém natos é a termo ou próximo de termo, com excelente sucção, quase todos em aleitamento materno exclusivo;
  • Na maior parte dos casos, as suturas do crânio não se apresentam consolidadas e a fontanela anterior é extremamente pequena, dificultando a ultrassonografia transfontanela no período neonatal;
  • A ultrassonografia transfontanela apresenta algumas características em comum: microcalcificações periventriculares, hipoplasia de vérnix cerebelar e, em alguns casos, lisencefalia (cérebro liso, ausência das circunvoluções).

Até o dia 17 de novembro, o Ministério da Saúde havia divulgado mais de 250 casos de microcefalia em Pernambuco, o que pode significar uma epidemia, já que a média anual do estado era de 10 casos/ano, segundo a Fiocruz. Em todo o Nordeste, já chega a 400 o número de casos de microcefalia.

A Academia Nacional de Medicina concluiu que a epidemia é extremamente grave e que os casos de microcefalia devem ser causados por agente infeccioso e transmitido por vetores, porque se alastra rapidamente. As características não são de “microcefalia vera”, uma vez que a microcefalia verdadeira, genética, depende de vários genes e sua incidência é muito baixa (1:30.000 a 1:50.000 nascimentos). As consequências da microcefalia são extremamente graves e imprevisíveis para o recém-nato e, certamente, vão se tornar problema de saúde pública gravíssimo para o Brasil.

Como dificuldades adicionais podem ser citadas:

  • O diagnóstico laboratorial é difícil porque não existem kits disponíveis;
  • O mosquito transmissor é extremamente adaptado ao meio ambiente;
  • A única maneira de conter a epidemia é o controle do mosquito.

A Academia Nacional de Medicina, como faz há 186 anos, coloca-se à disposição das autoridades de saúde para assessorá-los, no que for possível, neste momento tão dramático de saúde pública, visto que é possível que estejamos diante da maior epidemia pelo vírus Zika em números absolutos.

As doenças transmitidas por Aedes no Estado do Rio de Janeiro

O Dr. Alexandre Chieppe, Subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, abordou o impacto das principais doenças transmitidas pelo Aedes aegypti e Aedes albopictus no Estado do Rio de Janeiro, com foco principal na Dengue, febre do Zika e Chikungunya. Foram apresentados dados de incidência e mortalidade destas doenças no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, as principais ações desenvolvidas para diminuir o seu impacto na saúde da população, as estratégias na área de assistência e vigilância desenvolvidas em períodos epidêmicos, a distribuição dos diferentes tipos de vírus no território estadual, assim como os principais desafios enfrentados para o controle dos vetores de transmissão.

Uma outra abordagem foi sobre os novos desafios que as arboviroses transmitidas pelo Aedes tem trazido para a saúde pública. A necessidade de estruturar nossa capacidade laboratorial, estruturar unidades sentinelas, assim como melhorar nossa capacidade de antecipar cenários epidemiológicos.

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