Academia Nacional de Medicina reúne especialistas para discutir o impacto da violência na saúde

02/10/2025

Em um auditório atento, a violência, quase sempre tratada como tema policial, foi analisada sob uma nova lente: a da saúde pública. A Academia Nacional de Medicina promoveu o simpósio “Saúde e Violência” nesta quinta-feira (02), reunindo médicos, juristas e autoridades para um debate sobre a realidade brasileira em temas que vão da violência contra adolescentes à violência obstétrica e o feminicídio.

Membros organizadores do simpósio “Saúde e Violência”

O encontro foi conduzido pela presidente da ANM, acadêmica Eliete Bouskela, pelos acadêmicos José Augusto da Silva Messias e Jorge Fonte de Rezende Filho, e pela deputada federal Soraya Santos, que abriu a sessão lembrando que a violência “é uma ferida aberta que atravessa todas as idades e classes sociais, e precisa ser tratada com o mesmo rigor que qualquer outra doença”.

Juventude em risco

O acadêmico José Augusto da Silva Messias, especialista em saúde do adolescente, trouxe dados que deixaram os presentes consternados: 70% das internações hospitalares de adolescentes no país são causadas por fatores externos, incluindo agressões. “Estamos falando de jovens que deveriam estar na escola, mas estão nos hospitais. A violência virou uma epidemia silenciosa”, afirmou.

Acadêmico José Augusto da Silva Messias

Ele defendeu a importância da notificação compulsória de casos de violência e destacou o papel dos profissionais de saúde como agentes de prevenção. Também citou experiências bem-sucedidas, como o Projeto Caminho Melhor Jovem, que já beneficiou mais de 14 mil adolescentes no Rio de Janeiro.

A deputada Soraya Santos reforçou o alerta. “É preciso transformar estatísticas em políticas públicas reais. O Brasil precisa cuidar dos seus jovens antes que a violência os alcance”, disse, anunciando a intenção de criar ações específicas no Dia Nacional das Adolescentes.

Presidente da ANM, acadêmica Eliete Bousklea e deputada federal Soraya Santos

Quando o parto se torna violência

A segunda parte do simpósio trouxe à tona um tema delicado: a violência obstétrica. O acadêmico Jorge Fonte de Rezende Filho explicou que esse tipo de abuso pode ocorrer em qualquer fase da gestação, do parto ao puerpério, e vai desde a falta de consentimento em procedimentos até o desrespeito emocional. “Nenhuma mulher deve sair de uma maternidade com trauma — o parto deve ser lembrado como um momento de vida, não de dor”, afirmou.

Acadêmico Jorge Fonte de Rezende Filho

A Secretária Estadual de Saúde, Dra. Cláudia Mello, apresentou o Plano Estadual de Combate à Violência do Rio de Janeiro, previsto para lançamento em novembro. O projeto prevê salas de escuta em hospitais, capacitação de profissionais e protocolos de acolhimento. “Queremos que a mulher seja ouvida e acolhida, não silenciada”, ressaltou.

Secretária Estadual de Saúde, Dra. Cláudia Mello

A ANM também anunciou que contribuirá tecnicamente para um projeto de lei sobre os direitos da mulher gestante, atualmente em elaboração no Congresso Nacional.

Feminicídio e o papel das instituições

Encerrando as discussões, foram apresentados dados que chocam: dez mulheres são mortas todos os dias no Brasil por razões de gênero, e há mais de 1,3 milhão de processos de violência doméstica em andamento.

A conselheira Daiane Lira, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lembrou que o enfrentamento dessa realidade vai além da punição. “A violência contra a mulher é também um sintoma cultural, e o tratamento começa pela educação e pela escuta”, observou.

Conselheira Daiane Lira, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Compromissos e continuidade

Ao final, ficou o consenso: combater a violência exige integração entre ciência, políticas públicas e sensibilidade humana. A ANM se comprometeu a apoiar estudos sobre populações carcerárias e a reforçar campanhas de notificação de casos de violência em unidades de saúde. A Secretaria de Saúde, por sua vez, definirá referências oficiais para o aborto legal e ampliará o treinamento de equipes hospitalares.

Encerrando o encontro, a presidente Eliete Bouskela resumiu o espírito do dia:
“O médico que escuta uma vítima de violência está tratando mais do que feridas físicas — está ajudando a curar uma sociedade adoecida.”

O sessão mostrou que ciência e empatia podem, e devem, caminhar juntas. Ao reunir especialistas de diferentes áreas, a Academia Nacional de Medicina transformou um tema doloroso em reflexão e proposta, abrindo caminhos para que a saúde ajude a romper o ciclo da violência no Brasil.

Assista ao simpósio na íntegra clicando aqui e aqui.

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