Em tarde memorável, ano é encerrado na Academia Nacional de Medicina com o Simpósio “O Direito de Morrer”

27/11/2015

No dia 26 de novembro de 2015, a Academia Nacional de Medicina realizou o Simpósio “O Direito de Morrer”, assunto polêmico e difícil, que foi concebido pelo Presidente, Acadêmico Francisco J. B. Sampaio com o intuito de permitir a discussão de temas muito presentes na nossa realidade, mas de difícil abordagem, mesmo no meio médico. Foi solicitado a dois grandes experts, conhecidos nacionalmente, os Acadêmicos Daniel Tabak (Oncologista) e José de Jesus Camargo (Transplantador de Pulmão), que organizassem o Simpósio e a discussão, que lotou as dependências desta que é a entidade cultural e científica mais antiga do país. Cerca de 250 pessoas compareceram ao Simpósio que teve a duração de seis horas, estendendo-se das 14 às 20 horas.

Mesa Diretora (na parte da tarde): Acadêmicos Daniel Tabak, Francisco Sampaio (Presidente da ANM) e José de Jesus Camargo
Grande público acompanha o Simpósio
Plateia e Bancada Acadêmica

O Acadêmico Tabak apresentou um histórico do problema, lembrando que a preocupação com a “qualidade da morte” representa um dos grandes temas da atualidade. Os dados são eloquentes. Nos próximos anos, pela primeira vez, o número de indivíduos com mais de 65 anos ultrapassará o número de crianças com idade inferior a cinco anos. Em 2030, um em cada oito habitantes do planeta terá mais de 65 anos. Estes números serão ainda mais dramáticos nos países em desenvolvimento, e extremamente preocupantes à medida que nos aproximamos do final da vida.

Acadêmico Daniel Tabak, um dos coordenadores do Simpósio

De fato, observamos uma maior longevidade na população mundial, especialmente associada a uma menor taxa de doenças infecciosas. Desta forma, as doenças crônicas, como o câncer, as doenças cardiovasculares e a demência, constituem hoje o maior desafio para a promoção da saúde global. O cuidado com os indivíduos ao final da vida deveria ser uma preocupação concreta de todos os governantes comprometidos com o aprimoramento da qualidade de vida dos cidadãos. O cenário atual ainda é bem distante da realidade, principalmente em nosso país.

As questões referentes à terminalidade nunca receberam a devida importância nos currículos das escolas médicas. Frequentemente, a questão é deixada em segundo plano, como se a morte fosse opcional. A tecnologia hoje utilizada no cuidado de pacientes graves permite salvar vidas de indivíduos que, certamente, não resistiriam nas mesmas condições quando tratados no passado. Estes avanços também contribuíram, infelizmente, para a medicalização da morte: a manutenção da vida a qualquer preço, principalmente com a introdução de medidas fúteis que não impedem a morte, apenas prolongam o processo de morrer.

O Acadêmico José de Jesus Camargo, do Rio Grande do Sul, falou sobre “A Noção de Morte Digna”. Quando se discute este conceito, temos que considerar, basicamente, a circunstância em que ela ocorre: se súbita/traumática ou arrastada por doença crônica, além da idade da pessoa. A morte de um indivíduo sadio até o evento e a perda de um jovem que nem viveu o suficiente para se justificar neste mundo são, evidentemente, diferentes daquelas mortes que representam o fim da linha de uma enfermidade crônica que arrastou a vítima e sua família pela via crucis do sofrimento.

A naturalidade com que se convive com o acontecido no velório de pacientes idosos é reveladora da nossa tendência de interpretar a morte como um previsível e inevitável ponto final do ciclo biológico. Mas não se deve esquecer que estas racionalizações são desapegadas de afeto, porque a morte sempre parecerá cruel, dolorosa e extemporânea aos olhos de quem ama, independentemente da idade do falecido. Por que é assim? Porque o afeto não é um sentimento racionalizável, e disso só entendem bem os sobreviventes da dor da perda, ou seja, os que morrem um pouco com os que se vão.

A noção de morte digna deveria exigir um tempo de preparação que permitisse o resgate dos afetos negligenciados, a confissão dos amores omitidos e o reconhecimento agradecido pelo amor incondicional. Não há possibilidade de morte digna num mar de sofrimento físico, de tal modo que um princípio básico do atendimento profissional é a noção de que toda queixa clínica representa uma urgência médica. Nada mais incompreensível do que um paciente terminal, gemente de dor, num hospital moderno. Isto deveria ser visto como a mais grosseira capitulação da medicina, cuja principal missão é aliviar sofrimento.

Resolvido o penar físico, temos que aplacar o sofrimento emocional com seus desdobramentos, familiar e espiritual, e entender que nunca estamos prontos para partir e, portanto, este é também um tempo de reconquistas apressadas, de restaurações afetivas urgentes, de confissões intransferíveis e, sempre e muito, de perdão. Propiciar a alguém que está morrendo a oportunidade de perdoar e ser perdoado é uma apoteose de humanismo e generosidade. O médico que consegue se oferecer como parceiro neste transe, apesar da vontade natural de sair correndo, está içando a arte médica a uma dimensão superior. “Propiciar que alguém que está morrendo viva estes instantes finais, sem dor, sem falta de ar, sem remorso, sem culpa e rodeado das pessoas que, de fato, vão sentir a sua falta é o mais próximo que podemos chegar do que se refere como morte digna”, afirmou Camargo.

A Dra. Ligia Py, da UFRJ e do INCA, fez apresentação sobre “Envelhecimento e Finitude”, em que foi lembrado que as preocupações com o envelhecimento e a morte são tão antigas quanto os primeiros registros culturais. Na dimensão sociocultural, o envelhecimento vem sendo associado à ideia de um absoluto preconceito de decadência e perda, como a antessala da morte, no bizarro esquecimento do número absurdo de mortes violentas de jovens e, ainda, do flagelo da mortalidade infantil. Na verdade, a vida é a antessala da morte, em qualquer idade.

Há um saudável protesto contra a velhice e a morte na impossibilidade humana de compreender os mistérios da existência, protesto que se dialetiza com a inesgotável busca de um sentido para a velhice e a finitude da vida. Na velhice, este sentido carrega a marca de uma certa ambiguidade, no entrelaçamento de aspectos de aceitação e repulsa que povoam o mundo interno das pessoas idosas. Para os mais velhos, a morte se apresenta em estado bruto, objetivada na realidade da morte pessoal, radicalizando a consciência da finitude que lhes coroou os tempos da maturidade. Na aproximação da morte, entre o apego à vida e a renúncia final, é possível ainda à pessoa idosa que está lúcida e orientada, alcançar um crescimento pessoal, caso seja capaz de manter a sua autonomia e o domínio sobre as suas decisões. “A velhice abriga, também, um sentido de infinitude, carrega a marca de uma provisão de recursos internos que acionam a provisão de um legado para as gerações futuras”, concluiu a Profa. Ligia Py.

O Dr. Luiz Gustavo Torres, do Centro de Oncologia do Rio de Janeiro (CENTRON) discorreu sobre o tema “Morrer sem Quimioterapia”. Relatou que discussões sobre não prosseguir com o tratamento quimioterápico são difíceis para os médicos e, principalmente, para os pacientes. Existem duas razoes fundamentais para se administrar quimioterapia paliativa em pacientes com câncer metastático: 1) aumentar o tempo de vida do paciente, 2) melhorar a qualidade de vida pelo controle dos sintomas da doença neoplásica em progressão. No entanto, terapias empregadas poderão impactar negativamente na qualidade de vida. Além dos efeitos tóxicos habituais, devem ser considerados outros aspectos negativos fundamentais, mas pouco discutidos, como tempo, muitas vezes os poucos meses ou semanas restantes de vida, e inconveniência, pela realização de exames, sessões de tratamento, internações e procedimentos.

Médicos e pacientes fazem estimativas e vivem expectativas, respectivamente, irreais no que diz respeito ao tempo restante de vida. Esse tempo, na maioria das vezes, é superestimado, o que prejudica o julgamento sobre as decisões terapêuticas e limita a possibilidade de discussão honesta sobre o prognóstico e o planejamento conjunto (médico, paciente, família) sobre os cuidados a serem implementados no final da vida. Evidencias recentes revelam que, para pacientes com falha terapêutica inicial e tempo de vida estimado menor que 6 meses, o uso da quimioterapia está relacionado a pior qualidade de vida e maior risco de cuidados médicos agressivos no final da vida, como ressuscitação cardiopulmonar, ventilação mecânica e morte em unidade de terapia intensiva. “A quimioterapia não é um tratamento fútil, mesmo para pacientes nos últimos meses ou semanas de vida, todavia os pacientes devem ter a oportunidade de fazer escolhas sobre seu plano de cuidado com expectativas reais em relação à terapia, seus valores individuais e objetivos”, concluiu o Dr. Torres.

Tradicional Chá Acadêmico da ANM
Concerto de harpa durante o Chá Acadêmico

O debate final, na Sessão das 18h, incluiu um tema extremamente controverso, não apenas no meio médico, mas na comunidade em geral. Diversos países no mundo legalizaram métodos para acelerar a morte, que compreendem o chamado “suicídio ou morte assistida por médicos”, a eutanásia voluntária, sedação terminal paliativa e a suspensão ou não introdução de medidas incapazes de modificar a história natural de variadas doenças. O papel do médico na abordagem deste dilema bioético foi debatido pelo Prof. Sergio Zaidhaft, psicólogo da UFRJ, e pelo Acadêmico Daniel Tabak.

As opiniões contra e a favor foram moderadas pelo Acadêmico Ricardo Cruz. A organização do debate permitiu uma grande interatividade da plateia, através de perguntas e de um sistema eletrônico de votação com apuração instantânea.

Acadêmico Ricardo Cruz, responsável pela moderação com a plateia

A interatividade com os presentes permitiu verificar várias questões interessantes que facilitaram as conclusões do evento:

  • 88% dos presentes eram ligados à área de saúde e apenas 12% eram leigos;
  • Um terço dos presentes tinha mais de 60 anos e mais da metade (53%) tinha idade superior a 50 anos;
  • Dois terços da plateia revelaram que já viveram ou vivenciam no momento a situação de parentes muito próximos com doença crônica, ou mesmo terminal, e manifestaram muitas dúvidas sobre a questão que envolve o quão adequado seria que estes pacientes tivessem ou não conhecimento pleno de seus prognósticos, além do melhor tratamento que lhes deveria ser sugerido;
  • A convicção de que as habilidades de um médico experiente e dedicado seja fator fundamental para o alívio físico e emocional dos pacientes ficou patente nas pesquisas realizadas através da interatividade;
  • Os aspectos que envolvem a velhice foram discutidos e também apresentaram resultados muito “divididos”;
  • Cuidados paliativos ao fim da vida foram aprovados pela maioria dos presentes, embora cerca de 30% não soubesse, com clareza, da existência desta possibilidade terapêutica que, cada vez mais, é difundida no mundo com grande importância. Ficou claro, entretanto, que os presentes entendem a necessidade de um adequado preparo por parte dos profissionais de saúde para que as habilidades no lidar com doentes terminais sejam as mais adequadas possíveis;
  • A maioria dos presentes confia nas decisões médicas, considerando que elas são tomadas, de maneira geral, com acerto e visando o melhor para o paciente;
  • Questões como dignidade na morte, cuidados hospitalares X cuidados domiciliares, e a morte assistida pelos médicos também foram avaliadas, ficando claro que o bom senso dos médicos especialistas, aliado a uma adequada escuta do paciente e de seus familiares, é vital.
Acadêmico Jacob Kligerman participa da discussão
Mesa Diretora (durante a Sessão Ordinária): Acadêmicos Antonio E. Nardi, Daniel Tabak, Francisco Sampaio (Presidente da ANM), José de J. Camargo e Cláudio Ribeiro

O presidente Francisco J. B. Sampaio encerrou o Simpósio agradecendo a presença de todos e afirmando que a ANM se regozija por, mais uma vez, trazer à discussão com a comunidade um tema polêmico e de extrema importância.

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