E QUANDO OS RINS DEIXAM DE FUNCIONAR?

29/06/2016

Qual a função dos rins no nosso organismo?

São duas as principais funções: uma dita exócrina, ou seja, de limpeza dos produtos do metabolismo do nosso organismo. Estes produtos são geralmente substancias que se forma após a utilização pelo nosso organismo dos nutrientes, alimentos que ingerimos. A outra função é endócrina, através da qual nossos rins produzem uma série de hormônios que controlam por exemplo a nossa pressão arterial sanguínea, a produção de sangue pela medula óssea, a produção de vitamina D, etc.

Como ocorre este processo de filtração e limpeza do sangue?

Ao nascermos, cada rim tem aproximadamente 1 milhão de “ filtros”, cujo termo médico é “ nefrons”. Daí a razão de que esta estrutura ao se inflamar, chamamos a isto de nefrite. Cada nefron (filtro) tem uma estrutura corpuscular que se parece a um novelo de se fazer tricot, que está envolto por uma capsula (membrana) e se comunica com uma estrutura tubular. O sangue ao circular por cada nefron (filtro), produz um filtrado do sangue que ao percorrer a estrutura tubular é quase todo reabsorvido, deixando no entanto as impurezas para serem excretadas. De sorte que num período de 24 horas, os dois rins produzem 180 litros de uma “ pré-urina”, mas devido a reabsorção tubular, eliminamos apenas 1.5 litros. Ou seja, os rins têm uma capacidade extraordinária de concentrar a urina. Esta compreensão é importante para entendermos porque ao serem lesados, os rins eliminam mais urina e não menos, ou seja, perdem a capacidade de concentração. Logo, quando uma pessoa diz: “ urino muito, logo meus rins devem ser bons”, não se justifica dentro do exposto. As pessoas que perdem 90% da capacidade dos rins e fazem por exemplo diálise (limpeza artificial do sangue), urinam no início do tratamento, em torno de 3-4 litros por dia, devido a esta perda de concentração.

Quais são os sinais mais precoces de comprometimento das funções dos rins?

Infelizmente os sinais e sintomas são tardios, ou seja, uma pessoa pode perder de 70-80% das funções dos rins sem ter nenhum sinal de alerta. Isto ocorre porque com a destruição dos filtros (nefrons), há uma adaptação dos filtros remanescentes que acabam dando conta do recado, até não suportarem mais. Este ponto também é importante porque as pessoas precisam saber se pertencem a algum grupo de risco capaz de serem mais propicias a terem alguma enfermidade renal (vide o texto Como manter a saúde dos rins neste site da Academia Nacional de Medicina).

No entanto, alguns sinais e sintomas podem nos alertar de que algo está errado:

  1.  Levantar frequentemente à noite para urinar. Normalmente não necessitamos nos levantar à noite para urinar, mas isto acontece ao perdermos a capacidade de concentração urinária que falamos a pouco. Naturalmente há exceções: pessoas com “ bexiga pequena” podem não tolerar o volume de urina formado durante a noite; homens idosos com problemas prostáticos, são alguns exemplos.
  2.  Urina “espumosa”. Desde que o vaso sanitário não contenha detergente, a formação de espuma na urina durante a micção pode indicar a perda de proteína na urina e ser um sinal indireto que há um problema na barreira de filtração dos rins.
  3.  Pressão arterial elevada. Embora a grande maioria da população com pressão arterial elevada “ herde” esta tendência a pressão alta, enfermidades renais podem elevar a pressão arterial e ser um sinal indireto de doença renal. Isto ocorre porque como dissemos há pouco, os rins produzem hormônios que controlam nossa pressão arterial e também excretam o excesso de sal/água que consumimos.
  4.  Anemia ou palidez. Uma enfermidade renal pode diminuir a produção dos rins de um hormônio (eritropoietina) essencial para prevenir anemia, levando a redução a quantidade de sangue produzida. Geralmente isto ocorre nas fases mais tardias da enfermidade renal.
  5.  Edema ou inchaço. A retenção de sal que ocorre na enfermidade renal pode acarretar o edema nos membros inferiores ou ao redor dos olhos. Em algumas enfermidades esta retenção de agua e sal é mais exuberante, enquanto que em outras pode ser até inexistente.
  6.  Sangue na urina. A presença de sangue na urina num exame microscópico da urina ou visível ao urinar, pode indicar uma enfermidade renal. Pode ser reflexo de um simples cálculo (pedra) renal ou pode ser algo mais grave, como uma das formas de nefrites.

Estes são alguns dos sinais e sintomas mais precoces que podem alertar sobre algum problema renal.

E se a perda da função renal for total, o que fazer?

Diz-se que há perda total da função renal quando nos resta menos de 10% da capacidade de filtração dos rins. O cálculo mais exato da função renal geralmente é feito pela coleta de urina de 24 horas com realização de um cálculo chamado clearance de creatinina.

Nesta fase, com menos de 10% de função, os rins não conseguem mais manter nosso sangue limpo e as impurezas se acumulam, causando sintomas como náuseas, vômitos, inapetência, fraqueza, insônia, etc. É um quadro de intoxicação.

O ideal é que a perda de função dos rins seja detectada mais precocemente, por exemplo, quando ainda temos 25% de função renal remanescente. Aí podemos apresentar as opções: diálise (limpeza artificial do sangue) ou transplante renal. Muitas vezes podemos realizar um transplante renal sem necessidade de passar pela dialise. Isto é possível quando temos um doador vivo (potencial doador na família).

Na fase descrita acima, com menos de 10% de função e já com sintomas de intoxicação, a dialise é inevitável.

Infelizmente, no Brasil mais de 70% pessoas que procuram um especialista chegam tardiamente, necessitando de diálise imediata.

Há dois tipos principais de diálise:

Hemodiálise: neste tipo de tratamento, há a circulação extracorpórea de sangue que ao passar por um filtro especial, limpa as impurezas do sangue. Este tratamento geralmente é feito em clinicas especializadas, em sessões de 3- 4 horas e com a frequência de 3 vezes na semana.

Diálise peritoneal: neste tipo uma solução liquida especial é colocado no abdômen onde ocorre a retirada das impurezas. Este tratamento não envolve circulação extracorpórea de sangue e é o único tratamento domiciliar existente no Brasil. Pode ser feito a noite, enquanto o paciente dorme.

Os dois métodos são eficazes e tem os mesmos resultados a longo prazo. A decisão é tomada em conjunto com a família e o médico especialista.

Transplante renal 

Apesar da diálise filtrar o sangue artificialmente, o único tratamento que realmente reestabelece a função renal por completo é o transplante renal. O transplante proporciona uma melhor qualidade de vida e sobrevida, incluindo maior liberdade, mais energia e uma dieta menos restrita quando comparado com a diálise.

O transplante renal é uma operação no qual o paciente com doença renal recebe um rim de outro individuo (Figura 2). Este novo rim então assume o papel dos rins originais. Existe dois tipos de transplante renal, um com doador vivo e outro com doador falecido. O transplante com doador vivo (ex. Familiar) tem os melhores resultados mas para pacientes que não tem potenciais doadores na família, a espera em uma lista de doadores falecidos é recomendada. Infelizmente, a espera por um rim de doador falecido pode ser longa devido ao grande número de pacientes com doença dos rins e o número limitado de órgãos disponíveis.

O principal problema do transplante é a rejeição, no qual o sistema imune do paciente que recebe o novo rim reconhece o rim transplantado como sendo um órgão estranho e tenta destruí-lo. Para evitar a rejeição, é necessário tomar uma combinação de medicamentos que acalmam o sistema imune e previnem a rejeição. Essa medicação tem alguns efeitos colaterais incluindo um maior risco de infecções e certos canceres a longo prazo. Essas medicações a qual chamamos de imunossupressores devem ser tomados para o resto da vida após o transplante pois a interrupção mesmo por curto período de tempo (ex. dias) pode levar a rejeição do rim transplantado.

O transplante renal não é indicado para todos os pacientes com doença renal avançada. Opções de tratamento para cada indivíduo devem ser discutidas com o médico especialista nos rins (nefrologista).

Figura 1. Função dos rins.

Figura 2. O transplante renal é uma operação que requer anestesia geral. O novo rim é posicionado na parte inferior do abdômen e os rins originais do paciente não são geralmente removidos. O rim doador é conectado aos vasos e à bexiga do paciente receptor. A urina produzida pelo novo rim é então eliminada de forma similar aos rins originais.

Autores:

Cristian V. Riella -Research Fellow em Nefrologia, Beth Israel Deaconess Medical Center e Harvard Medical School, Boston, USA

Leonardo V. Riella – Assistant Professor of Medicine, Medical Director of Vascularized Composite Allotransplantation, Associate Director of Kidney Transplantation Brigham and Women’s Hospital Harvard Medical School

Miguel C. Riella – Membro da Academia Nacional de Medicina

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