DO QUE MORREM NOSSAS MULHERES GRÁVIDAS NO BRASIL?

11/07/2016

A mortalidade materna reflete o óbito ocorrido em mulheres por ocasião de complicações da gestação, parto ou puerpério (período que se segue ao parto, pelo geral de 42 dias), determinadas ou agravadas pela gestação. Trata-se de verdadeira hecatombe médico-social, porque é evento desagregador das famílias – a célula mater da sociedade.

De certo, pensariam alguns, morte materna é algo raro. Infelizmente não é essa a realidade. Morrem no mundo cerca de meio milhão de mulheres em conseqüência da gravidez, parto ou puerpério, aproximadamente 1 mulher a cada minuto; 95% delas vivem em países pobres. Na América Latina são estimados cerca de 28 mil óbitos maternos / ano, sendo a grande maioria dos casos evitáveis se as condições de assistência pré-natal e do parto fossem mais adequadas. No Brasil, embora ainda soframos com dificuldades em estimar a mortalidade materna, notadamente pela falta de registro desses óbitos, muito embora situação de notificação compulsória, ainda apresentamos níveis elevados dessa hecatombe. Nossa razão de morte materna é de cerca de 56 casos em cada 100.000 nascidos vivos, ainda considerada alta pela Organização Mundial da Saúde (que considera aceitável até 20/100.000), bem acima daquela apresentada por países desenvolvidos como a Dinamarca (1/100.000), Canadá (4/100.000), Estados Unidos (8/100.000), e maior que nossos companheiros latino-americanos Cuba e Uruguai (26/100.000). Pior ainda, para cada óbito materno declarado, estima-se que outro permaneça encoberto, subnotificado.

Do que morrem nossas mulheres? De complicações decorrentes de hipertensão, hemorragia e infecção.

A hipertensão é a causa mais comum dessas mortes, pelo geral, determinada pela pré-eclampsia. Doença milenar, é caracterizada por um conjunto de alterações no organismo materno que se iniciam com a má-adaptação do ovo ao útero, liberando uma série de proteínas que denunciam um estresse oxidativo e o início de todas as alterações vasculares (hipertensão e agregação plaquetária), renais (perda de proteínas e aumento de escórias no corpo), cerebral (derrame), cardio-pulmonar (edema agudo de pulmão e insuficiência cardíaca), hepático (isquemia). Nesses casos, as pacientes precisam de internação imediata e o emprego, pelo geral, de medicamentos para controlar a hipertensão (hidralazina ou nifedipina) e para evitar as convulsões eclâmpticas (sulfato de magnésio).

A mulher que foi acometida pela pre-eclampsia tem risco aumentado de repetir essa complicação na gestação subsequente. Evitar que isso ocorra é fundamental para melhorar o prognóstico dessas pacientes. Nesses casos, em que há história de pré-eclâmpsia, a Organização Mundial da Saúde, dentre outras sociedades, recomenda o uso de aspirina a partir de 12 semanas, capaz de praticamente zerar os casos de maior gravidade.

Nos aspectos hemorrágicos, há que salientar que obstetrícia é especialidade de foro hemorrágico. Não fora assim as intercorrências hemorrágicas são amiúde estudadas de acordo com seu período de surgimento: primeira metade da gravidez (abortamento, gravidez ectópica – principal causa de morte materna no primeiro trimestre nos Estados Unidos, doença trofoblástica gestacional), da segunda metade da gravidez (descolamento prematuro da placenta, placenta prévia/acreta e rotura de vasa prévia), durante o parto (rotura uterina) e após o parto (atonia uterina, laceração de trajeto do parto, retenção de fragmentos placentários no útero e coagulopatia). Nesses casos, o diagnóstico precoce e a instalação de medidas rápidas (notadamente na primeira hora após o evento hemorrágico – golden hour) fazem a diferença na vida dessas mulheres.

E, por fim, temos as questões infecciosas que no Brasil repousam sobre o elevado número de cesarianas desnecessárias, assim como nos abortamentos infectados, feitos de forma insegura, em ambiente ilegal, que ainda ceifam a vida de nossas mulheres.

Cerca de 90-95% desses óbitos são evitáveis, e dependem da ação conjunta da rede de atenção à saúde da mulher, em todos os níveis (atenção primária – pré-natal de risco habitual feito na unidade de Estratégia da Saúde da Família e nas Unidades Básicas de Saúde; atenção secundária – pré-natal de alto risco feito em Policlínicas por médico obstetra; atenção terciária – hospital de baixo risco para atender pacientes com menor chance de complicações no parto e hospital de alto risco para atender grávidas com doenças prévias ou desenvolvidas pela gestação, incluindo aqui todo suporte neonatal para esses conceptos). É necessária ainda atualização permanente daqueles que prestam cuidados obstétricos a fim de que se comprometam com uma assistência segura ao parto, embasada nos melhores níveis de evidência e controle de intervenção.

Estimulados pela Declaração do Milênio das Nações Unidas, e decidindo enfrentar de frente essa chaga social, o Ministério da Saúde do Brasil criou em 2004 o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna. Entendeu o governo que, se as mortes maternas estão diretamente relacionadas à deficiência da qualidade dos serviços de saúde oferecidos às mulheres, reduzir a mortalidade materna é desafio que deve envolver governos, serviços e profissionais de saúde e toda a sociedade. O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, signatário do pacto, foi ele mesmo vítima dessa tragédia ao perder sua 1ª mulher, Maria de Lourdes, em 1971, 15 minutos após dar à luz seu filho, já morto.

São metas do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna: articular programas governamentais, como os de Saúde da Mulher, da Criança, do Adolescente, Programa de Saúde da Família, Urgência e Assistência Farmacêutica; estimular a participação dos conselhos estaduais e municipais de saúde na definição de conteúdo e estruturação do pacto nacional; qualificar e humanizar a atenção ao parto, ao nascimento e ao aborto legal; assegurar à gestante o direito ao acompanhamento antes, durante e depois do parto, incluindo alojamento conjunto; garantir que mulheres e recém-nascidos não sejam recusados nos serviços de saúde e que sejam assistidos até a transferência para outra unidade; dar às mulheres acesso ao planejamento familiar e apoiar ações de suporte social para gestante e recém nascidos de risco.

São muitos os desafios do Brasil no que toca a saúde da gestante e de seu concepto. Aumentar a captação precoce do pré-natal (pela Estratégia de Saúde da Família e Unidades Básicas de Saúde), melhorar a assistência pré-natal prestada nas unidades (quantidade de consultas e qualidade do serviço), garantir agilidade nos resultados dos exames, ampliar e qualificar a participação de equipes multiprofissionais na assistência pré-natal / parto / puerpério, melhorar o sistema de referência – contra-referência para situações de gestação de alto-risco, acelerar casos em que se necessitam de transferência para CTI materno / UTI neonatal, melhorar o atendimento de planejamento familiar, evitando que gravidezes não desejadas ocorram, notadamente entre adolescentes e implementar um sistema de verificação de óbito com recursos de anatomia patológica.

Muito já se conseguiu! Muitas cidades já contam com as Comissões de Prevenção e Controle da Mortalidade Materna e Perinatal. São entidades encarregadas de buscar ativamente os casos de morte materna e perinatal, analisar essas perdas e buscar desenvolver ações locais a fim de evitar novas mortes, assim como fomentar políticas estruturais que garantam segurança às nossas mamães e bebês.

Devemos continuar atentos e engajados na luta pela prevenção de mortes maternas e perinatais; afinal de contas, gravidez não é doença e nossas mulheres não precisam ter suas vidas ceifadas no momento mais belo de suas existências: a maternidade.

Autores:

Jorge Rezende-Filho – Professor Titular de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRJ e da FTESM, Livre-docente em Obstetrícia pela USP, Mestre e Doutor em Obstetrícia pela UFRJ e Chefe do Serviço de Obstetrícia da Maternidade Santa Lúcia.

Antonio Braga – Professor de Obstetrícia da UFRJ e da UFF, Pós-Doutor pela Universidade de Harvard e pelo Imperial College of London, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Obstetrícia pela UNESP, Diretor do Centro de Doenças Trofoblásticas do Rio de Janeiro e Maternidade Escola da UFRJ Hospital Universitário Antonio Pedro da UFF

Carlos Antonio Barbosa Montenegro – Membro Emérito da Academia Nacional de Medicina

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