IMPLANTE POR CATETER DE BIOPRÓTESE AÓRTICA (TAVI)

27/06/2016

Nos últimos anos, a Cardiologia tem obtido significativos avanços no tratamento percutâneo das doenças estruturais do coração. Dentre os procedimentos utilizados com este propósito, o implante por cateter de prótese aórtica (TAVI, do inglês transcatheter aortic valve implantation) ocupa destacado papel, devido à sua eficácia em promover benefício sintomático e reduzir a mortalidade de pacientes idosos com estenose aórtica e impossibilitados de cirurgia de troca valvar – frequentemente encontrados na prática clínica e que, até passado recente, não possuíam alternativa terapêutica para uma doença de alta letalidade (com taxas de mortalidade de até 75% após 3 anos ou de 2% por mês). Introduzido de forma pioneira por Alain Cribier e cols. em 2002, o TAVI representa procedimento menos invasivo que a cirurgia, não requer esternotomia e circulação extra-corpórea. Na maioria dos casos, é realizado por punção da artéria femoral, sob anestesia geral com monitorização por ecocardiograma transesofágico; em muitos centros, opta-se por sedação e anestesia local. Na presente data, estima-se que mais de 300.000 pacientes já tenham sido tratados por esta técnica ao redor do mundo.

As evidências provenientes de estudos prospectivos e randomizados demonstram a segurança e a eficácia deste tratamento. No estudo PARTNER B, 358 pacientes com estenose aórtica severa e considerados inoperáveis foram randomizados para estratégia conservadora ou para o implante da prótese Edwards SAPIEN®. Nos pacientes submetidos ao tratamento percutâneo, a sobrevida aos 30 dias foi de 93,6%. Após 1 ano, foi observada significativa redução de mortalidade nestes pacientes, quando comparada aos indivíduos mantidos em tratamento clínico (30,7% vs 50,7%, p<0,001). No estudo PARTNER A, por sua vez, comparou-se os desfechos clínicos obtidos com o TAVI com a cirurgia de troca valvar – em uma população de pacientes com alto risco cirúrgico (n=699): a mortalidade aos 30 dias foi de 3,4% após TAVI e de 6.5% após a cirurgia. Aos 12 meses, o TAVI mostrou-se não-inferior à cirurgia clássica (mortalidade de 24,2% e 26,8%, respectivamente, p=0,001 para não-inferioridade). Em outro ensaio clínico multicêntrico e randomizado com pacientes de alto risco cirúrgico (n=795), o TAVI com a bioprótese valvar aórtica auto-expansível CoreValveTM esteve associado a uma taxa de sobrevida significativamente mais alta em 12 meses, quando comparado à cirurgia de troca valvar aórtica: a mortalidade por todas as causas aos 12 meses foi significativamente mais baixa no grupo do TAVI (14,2% vs. 19,1%, p<0,001 para não-inferioridade; P = 0,04 para superioridade). A ocorrência de AVC aos 30 dias foi de 4,9% nos pacientes submetidos ao TAVI e de 6,2% no grupo tratado com a cirurgia (p=0,46). No âmbito histórico da Cardiologia, este foi o primeiro estudo em que uma técnica percutânea e menos invasiva superou – em termos de benefícios clínicos – o tratamento cirúrgico. Estes estudos demonstraram ainda que, logo após o implante percutâneo, observa-se aumento significativo da área valvar, com redução acentuada do gradiente transvalvar aórtico. Como conseqüência clínica, é freqüente a melhoria dos sintomas de insuficiência cardíaca. Baseado nestas evidências, as diretrizes mais atuais sobre o tratamento das Valvopatias – elaboradas pelas Sociedades Brasileira, Interamericana, Americana e Européia de Cardiologia – recomendam que o TAVI seja o tratamento de escolha para pacientes com estenose aórtica grave e considerados inoperáveis (classe I, nível de evidência B), representando uma estratégia alternativa à cirurgia naqueles indivíduos com alto risco cirúrgico (classe IIa, nível de evidência B).

Nos dias atuais, taxas de sucesso progressivamente maiores têm sido obtidas com o TAVI. Tal incremento está relacionado à experiência adquirida na seleção dos pacientes e na execução técnica do procedimento, além dos avanços implementados nos dispositivos. A possibilidade de reposicionamento e recaptura, as soluções para a prevenção de refluxo aórtico paravalvar e a redução no calibre dos instrumentais são propriedades das próteses de nova geração.Em nosso país, três tipos de biopróteses implantadas pela via femoral encontram-se disponíveis para uso clínico: a prótese balão-expansível SAPIEN 3® (Edwards Lifesciences), o sistema auto-expansível CoreValve EvolutTM (Medtronic Inc.) e a prótese Lotus® (Boston Scientific). Tais próteses apresentam resultados clínicos similares no que diz respeito à ocorrência de desfechos adversos maiores, como óbito cardiovascular e acidente vascular cerebral. Contudo, eventos indesejadoscomo o surgimento de distúrbios de condução, a necessidade de marcapasso ou complicações como a rotura de anel valvar aórtico – evento raro, mas de alta letalidade – ocorrem preferencialmente com um ou outro tipo de prótese. Tal fato ratifica a necessidade de que centros que realizam o procedimento tenham experiência com mais de um dispositivo, adequando a sua indicação conforme características clínicas ou anatômicas dos pacientes.

Frente aos excelentes resultados clínicos obtidos com as novas próteses, ampla discussão tem sido suscitada a respeito da ampliação nas indicações e novas perspectivas do TAVI em pacientes de mais baixo risco cirúrgico. Recentemente publicado, o ensaio clínico PARTNER II selecionou 2032 pacientes com estenose aórtica grave e de risco cirúrgico intermediário (escore STS entre 4 e 8%); tais indivíduos foram randomizados para TAVI com a prótese Edwards Sapien-XT® ou cirurgia de troca valvar. Após 2 anos, o desfecho composto por óbito e acidente vascular cerebral ocorreu em 19,3% no grupo percutâneo e 21,1% no grupo cirúrgico (p=0,001 para não-inferioridade). O implante percutâneo esteve associado à maior área da prótese (conforme avaliado pelo ecocardiograma) e menores taxas de insuficiência renal aguda, sangramentos e fibrilação atrial; a cirurgia, por sua vez, resultou em menor ocorrência de complicações vasculares e refluxo aórtico paravalvar. Em breve, os resultados do trial SURTAVI (com a prótese CoreValveTM em pacientes de risco intermediário) serão também divulgados, e caso se comprove também a não-inferioridade do procedimento percutâneo frente à cirurgia clássica, a recomendação de TAVI a tais indivíduos deverá ser assimilada em diretrizes.

O implante percutâneo tem sido indicado também a pacientes já submetidos a troca valvar cirúrgica e que apresentam disfunção da prótese aórtica (seja por insuficiência ou estenose). Neste cenário, a cirurgia de re-troca valvar associa-se a mortalidade de 2 a 7%, podendo atingir cifras de até 20% em pacientes de alto risco cirúrgico, com classe funcional avançada (NYHA IV) ou em situações de urgência. Assim, o implante de uma prótese percutânea sobre a prótese cirúrgica prévia (procedimento denominado “valve-in-valve”) pode ser preferível à uma nova cirurgia. Em registro multicêntrico com 459 pacientes submetidos ao tratamento menos invasivo, as taxas de mortalidade e acidente vascular cerebral aos 30 dias foram, respectivamente, de 7,6% e 1,7% aos 30 dias.

Autores:

Dimytri Siqueira

Amanda G.M.R. Sousa

J. Eduardo Sousa – Membro Titular da Academia Nacional de Medicina

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