CÉLULAS-TRONCO E MEDICINA REGENERATIVA EM DOENÇAS DA CÓRNEA.

21/08/2020

1 – O que são Células-tronco e Medicina Regenerativa?

Células-tronco são células progenitoras (células-mãe), que têm a capacidade de se dividir (auto-renovação) e se diferenciar em células mais especializadas, as quais irão formar os tecidos e órgãos dos seres vivos. Podem ser embrionárias, que estão presentes apenas nos estágios mais precoces do desenvolvimento do embrião e que apresentam potencial para se diferenciar em todos os tipos celulares; e adultas, encontradas em vários tecidos do corpo humano, apresentando capacidade mais limitada de diferenciação, como por exemplo, células-tronco da medula óssea que se transformam, constantemente, nas células do sangue.

As células-tronco apresentam potencial para serem utilizadas na regeneração de tecidos ou órgãos doentes, com aplicação direta ou a partir do seu cultivo em laboratório e reaplicação em pacientes. Esse potencial depende da combinação dos avanços tecnológicos que envolvem Biologia Celular e Molecular, Bioquímica e Bioengenharia, seguindo critérios de segurança e Ética, numa área geral denominada Medicina Regenerativa.

2 – E a córnea – tem células tronco?

A partir de uma série de experimentos, comprovou-se a existência de células-tronco adultas na superfície da córnea, as quais estão localizadas no círculo de transição com a superfície esbranquiçada da conjuntiva conhecida, como limbo. Essas células dividem-se constantemente, regenerando a superfície transparente dessa lente que é muito importante para a visão, a córnea. É como se fossem sementes, sempre renovando o canteiro de plantas ou células transparentes.

Doenças que acometem a superfície do olho, como aniridia, queimaduras, infecções, síndrome de Stevens-Johnson e penfigóide destroem essa área nobre da córnea, que é então invadida pela superfície opaca e vascularizada da conjuntiva, levando à cegueira.

3 – Como a Medicina pode utilizar as células-tronco para beneficiar pacientes com doenças da superfície da córnea?

A Oftalmologia já realiza, há vários anos, transplantes de limbo contendo células- tronco da superfície da córnea de um olho saudável para o outro olho doente ou, nos casos de doenças que acometem os dois olhos, do limbo de um olho de outra pessoa (ou da córnea de Banco de Olhos).

Novos procedimentos que envolvem o cultivo e transplante dessas células-tronco da córnea têm sido realizados com bons resultados, tendo um deles sido inclusive aprovado na Europa para uso clinico. No entanto, deve-se considerar que, nos casos que envolvem apenas um olho, o procedimento envolvendo laboratório e cultura de células não é necessário e por isso não se popularizou. O desafio encontra-se nas doenças que envolvem os dois olhos, quando se necessita de tecido de um doador que não o próprio paciente. Isso porque, nesses casos, há necessidade do paciente fazer uso de medicamentos sistêmicos para evitar a rejeição, os quais podem acarretar efeitos indesejáveis e/ou serem contra-indicados. Nesse contexto, existem pesquisas, já em fase clínica, utilizando diferentes tipos de células-tronco do próprio indivíduo, como da conjuntiva ocular (desde que saudável) e da mucosa da boca, bem como da polpa do dente de leite e células-tronco pluripotentes induzidas (iPSC), que são manipuladas no laboratório para se parecerem com aquelas da superfície da córnea. Os resultados preliminares são promissores, mas ainda necessitam de maior tempo de acompanhamento.

É importante ressaltar que quaisquer tratamentos que envolvam transplante de células cultivadas em laboratório, sejam células provenientes da superfície da córnea, da conjuntiva, da boca, da polpa do dente de leite ou iPSC, encontram-se em fase experimental, devendo ser realizados em Centros de Pesquisa com aprovação das agências reguladoras do Brasil, do tipo CTCs (Centros de Tecnologia Celular), em protocolos que sejam de conhecimento do paciente.

4 – E outras doenças da córnea, como ceratocone e edema de córnea – podem ser tratadas com transplante de células tronco?

No momento, não existe nenhum tratamento aprovado com células-tronco para o tratamento do ceratocone.

Em relação a doenças que acometem a camada de células internas da córnea (endotélio) e que cursam com edema e baixa de visão, existem tentativas de tratamento com injeção de células endoteliais de córneas provenientes de Banco de Olhos cultivadas em laboratório. No entanto, tais estudos ainda se encontram na fase pré-clínica, ou seja, em animais, e numa fase clínica inicial apenas, no Japão, seguindo critérios de inclusão rígidos e limitados a apenas pacientes locais.

5 – O que devo fazer caso se trate de um estudo clínico do qual tenho interesse em participar?

No caso de tal estudo ser oferecido ao paciente, é importante que este se certifique de que o estudo está sendo realizado em Instituição adequada, geralmente Universidades, Faculdades ou Centros de Pesquisa, sendo indispensável que o estudo esteja registrado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

O paciente deve estar ciente que existe um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento que explica todos os direitos e possíveis complicações do procedimento.

O tratamento deve ter o objetivo de propor a pesquisa sobre somente uma doença. Se o mesmo for indicado como curativo, ou um “milagre” para se tratar várias doenças, o paciente deve ficar atento pois os tratamentos são específicos para cada tipo de doença, não existindo no meio médico, um remédio ou cirurgia universal (ou seja que cure vários tipos de doenças distintas). Assim, por exemplo, não há um tratamento para câncer, ou para degeneração, etc.

Além disso, o paciente deve certificar-se de que o pesquisador que propõe o tratamento tem experiência na área e/ou trabalhos científicos publicados anteriormente.

Apresentamos abaixo alguns sites que podem ser úteis.

1-Conselho Federal de Medicina: http://portal.cfm.org.br

2-Conselho Brasileiro de Oftalmologia: http://www.cbo.com.br/novo/

Autores:

José Alvaro P. Gomes – Professor Adjunto Livre-docente, Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo

Rodrigo Antônio Brant Fernandes – Doutorando em Oftalmologia, Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP)

Maurício Maia – Professor Livre-docente, Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP)

Mari Cleide Sogayar – Diretora do NUCEL/NETCEM – Núcleo de Terapia Celular e Molecular, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo (FMUSP)

Rubens Belfort Jr. – Membro Titular da Academia Nacional de Medicin

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