ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

08/09/2015

Introdução: o acidente vascular encefálico (AVE) é uma doença grave e muito frequente. Com uma incidência anual de 750.000 novos casos, a doença cerebrovascular é a terceira maior causa de óbitos e a primeira causa de sequelas nos EUA. Estatísticas brasileiras apontam o acidente vascular encefálico como a principal causa de óbitos em nosso meio. Existem dois tipos principais de AVE: o isquêmico e o hemorrágico. O primeiro representa 80% de todos os casos. Trata-se de uma emergência médica, tornando indispensável que todos os pacientes que apresentem quadro compatível com AVE, sejam encaminhados a um serviço de emergência.

Definição: o AVE isquêmico caracteriza-se pela interrupção do fluxo sanguíneo (obstrução arterial por trombose ou por embolia) em uma determinada área do encéfalo, tornando a mesma isquêmica. O encéfalo depende de aporte constante de oxigênio e glicose, pois não tem capacidade de armazenar estas substâncias. Poucos minutos sem aporte sanguíneo adequado são suficientes para gerar danos irreversíveis no tecido cerebral.

O AVE hemorrágico deve-se a ruptura de um vaso intracraniano, gerando o extravasamento de sangue para o parênquima cerebral e/ou para o espaço subaracnóideo (local entre as meninges por onde circula o líquor). Nestes casos os sintomas ocorrem por compressão de estruturas nervosas e/ou por aumento da pressão intracraniana.

Quadro Clínico: os sinais e sintomas dos AVEs são os mais variados. Qualquer alteração neurológica que apareça de maneira súbita pode ser consequência de um AVE. Os achados mais comuns são: fraqueza de membros, dificuldade para caminhar, alterações na fala, alterações visuais, formigamentos pelo corpo, tonteiras e/ou vertigens. Em alguns casos ocorre rebaixamento do nível de consciência, podendo o paciente entrar em coma. No caso particular das hemorragias intracranianas, a única manifestação clínica pode ser uma forte dor de cabeça, de início agudo. A sutileza de alguns sintomas é, às vezes, a principal causa do retardo na procura de auxílio médico.

Diagnóstico: o diagnóstico do AVE baseia-se na história clínica. Porém, isto não é suficiente para diferenciar uma isquemia de uma hemorragia cerebral. Logo, é indispensável a realização de uma tomografia computadorizada de crânio, que é fiel nesta diferenciação. Este exame deve ser realizado assim que o paciente chega ao serviço de emergência. (Fig.2)

Fig.2 – AVC hemorrágico, em fase aguda, contraindicando o uso de medidas trombolíticas. A Tomografia computadorizada é fundamental, antes do emprego de trombolíticos.

Após a confirmação de ser uma isquemia, são solicitados outros exames para se verificar alguns fatores de risco: eco cardiograma, eco Doppler de artérias do pescoço, exames de sangue, entre outros. Nos casos de hemorragia, pode ser necessária a realização de exames arteriográficos para a pesquisa de alterações vasculares como, por exemplo, os aneurismas.

O estudo pela Ressonância Magnética dos pacientes, com as técnicas de difusão e perfusão, auxilia sobremaneira no estudo dos aspectos locais da lesão como a evidencia das zonas de necrose e penumbra isquêmica que orienta o tratamento e o prognóstico. (Fig.5).

Fig.5 – Ressonância Magnética, com técnicas de difusão e perfusão no AVC isquêmico.

Tratamento: sem dúvida, o tratamento mais eficaz para esta doença é a prevenção. Ou seja, identificar os fatores de risco na população e combatê-los. Os principais fatores de risco para a doença cerebrovascular são: hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, sedentarismo, tabagismo e obesidade. Todos estes fatores têm tratamento eficaz, seja medicamentoso, seja por mudanças nos hábitos de vida. A redução da incidência de AVE com o controle dos fatores de risco, principalmente a hipertensão arterial, já está comprovada em diversos estudos epidemiológicos. Saliente-se ainda a importância da avaliação de processos ateroscleróticos dos vasos cotidianos e das vertebrais, bem como o adequado exame do coração onde lesões estruturais, como por exemplo, a patencia do forame oval, que comunica o coração direito com o esquerdo, facilitando assim episódios de embolia cerebral. Em pacientes com história de tromboses venosas anteriores, em si ou em familiares, a pesquisa por exames laboratoriais da existência de trombofilia se faz necessário. São condições genéticas em que o paciente tem perturbações no mecanismo da coagulação e com facilidade pode criar coágulos intravasculares. A visita regular ao consultório de um clínico geral é fundamental para identificação destes fatores, tendo em vista que podemos ter pressão alta sem sintomas, assim como diabetes e dislipidemia.

Uma vez ocorrido o AVE, o paciente deve ser levado imediatamente para uma unidade de emergência médica, especialmente unidades treinadas para o atendimento de pacientes com AVE. Ao chegar nestas unidades, o paciente será, imediatamente, submetido ao exame de tomografia computadorizada, o que definirá a natureza daquele acidente vascular (isquêmico ou hemorrágico).

Quando hemorrágico, a primeira decisão a ser tomada é se existe a necessidade de intervenção cirúrgica. Deve-se manter o paciente monitorizado, controlando as diversas variáveis cardiometabólicas, em especial a pressão arterial, principal fator de risco para hemorragia cerebral.

Nos casos de isquemia, existem três tipos principais de tratamento: os trombolíticos, os antiagregadores plaquetários e os anticoagulantes. O trombolítico é uma potente droga, aprovada para o tratamento de AVE, capaz de dissolver os coágulos e desobstruir a artéria ocluída. Porém, esta droga deve ser usada nas primeiras quatro horas e meia após a ocorrência do AVE. Após este prazo existe um grande risco de transformação hemorrágica da área isquêmica. Este fato é um grande limitador do seu uso. Trabalhos mostram que apenas uma pequena parcela dos pacientes com isquemia cerebral chega à emergência com menos de quatro horas e meia de ocorrido o evento. Campanhas informando a população da necessidade da rápida procura de auxílio médico nestes casos se fazem necessárias.

Quando da impossibilidade do uso dos trombolíticos, opta-se pelo uso de antiagregadores e/ou de anticoagulantes dependendo do perfil do paciente e do tipo de AVE isquêmico (trombose ou embolia). Muitas vezes pode-se iniciar a antiagregação plaquetária com duas drogas – Aspirina e Clopidogrel, pelo prazo de um mês passando depois ao uso de uma delas somente por prazo prolongado. Empregam-se também estatinas, em dose mais elevada, na fase aguda do AVC isquêmico buscando uma melhora da função endotelial e redução das cifras de colesterol.

Importante igualmente, na atualidade, têm sido as práticas endovasculares, por exemplo, o “clot retriever” – cateter que tem em sua ponta um instrumento especial, como se fora um saca-rolha, que consegue remover o coágulo (Figs.3 e 4). Também as manobras de angioplastia e colocação de stents, nas estenoses arteriais têm sido realizadas com sucesso em casos indicados.

Fig.3 – Clot retriever para remoção do coágulo intra-arterial.

Fig.4 – Trombo removido pelo clot retriever.

Por fim, o tratamento se fará necessário nas complicações destes pacientes. Sejam complicações próprias da doença cerebrovascular (edema cerebral, crises convulsivas), sejam complicações relacionadas à internação hospitalar, principalmente as infecções. Vale ressaltar que neste grupo de pacientes, pelas debilidades geradas pela doença, as infecções são mais frequentes.

Muitos desses pacientes, após a alta hospitalar, necessitam dos benefícios de uma assistência domiciliar em regime de “home-care”. A existência atual desta possibilidade, dando adequado apoio ao paciente, tem permitido que as internações sejam mais breves, fazendo com que o paciente de forma mais precoce retorne ao convívio familiar.

Importante, por fim, salientar a mudança radical que vem ocorrendo com relação aos pacientes com AVE. Antigamente eram eles indesejados nos diversos Serviços de Neurologia, pois se tratavam de indivíduos paralíticos, que necessitavam longos períodos de internação, exigindo cuidados de enfermagem intensivos, com muita frequência com escaras de decúbito, dificultando assim seus cuidados. Hoje em dia, ao contrário disso, a partir do advento dos trombolíticos (rt-PA), são eles esperados por equipe multidisciplinar, componentes de Unidades específicas para o atendimento do AVE, que ao os receberem na fase aguda do evento, nas primeiras quatro horas e meia, os avaliam adequadamente e sempre que possível, respeitados os critérios de elegibilidade e inelegibilidade, empregam o trombolítico, endovenoso ou intra-arterial, com resultados significativos na diminuição da mortalidade e da morbidade dos AVE (Fig.1). Os diversos Hospitais, com serviços de emergência, estão buscando organizar essas unidades de atendimento. A Sociedade Brasileira de Doenças Cérebro Vasculares publicou consenso, homologado pela Academia Brasileira de Neurologia, para ser adotado pelos neurologistas brasileiros no tratamento dos pacientes com AVE.

Fig.1 – Trombose aguda da cerebral média E resolvida com trombólise intra-arterial.

CRITÉRIOS PARA O USO DE TROMBOLÍTICO EM AVE

ELEGIBILIDADE:Idade –  maior ou igual a 18 anos.Diagnóstico clínico de AVE isquêmico (confirmado por CT- crânio não haver hemorragia), causando déficit neurológico mensurável.

INELEGIBILIDADE:Sintomas Melhorando.Convulsão no início.Outro AVE ou TCE há menos de 3 meses.Cirurgia nos últimos 14 dias.História de hemorragia cerebral.TA sistólica > 185 mmHg e diastólica > 110 mmHg.Tratamento agressivo para reduzir TA.Sinais de hemorragia subaracnóidea.Hemorragia digestiva ou urinária nos últimos 21 dias.Punção arterial há 7 dias.Heparina há 48 horas com PTT elevado.TP > 15 seg.; INR> 1.7; Plaquetas < 100 000.Glicose < 50 mg% ou > 400 mg%.

Autores: Ricardo de Faro Novis – Professor Auxiliar de Neurologia PUC/RJ. Neurologista Serviço – Neurologia Santa Casa da Misericórdia RJ. Sergio Augusto Pereira Novis – Membro Emérito da Academia Nacional de Medicina.Agenda

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